Sempre que explode na nossa cara um drama social de impacto, como o assassinato da professora Elisabeth Tenreiro, da E.E. Thomazí Montoro, na zona oeste paulistana, aparecem as soluções mágicas, vindas de pessoas bem-intencionadas, mas equivocadas no diagnóstico sobre esse tipo de acontecimento que ocorre, em graus variados, todo santo dia nas escolas pelo país.
A morte da professora é resultante do ataque a ela e a outras professoras e alunos, por um estudante da própria escola, cometido no último dia 27 de março. É o clássico “problemas complexos têm soluções simples”, mas invariavelmente erradas!
A violência escolar é cotidiana, histórica, abrange desde as pequenas discussões entre alunos e resulta, muitas vezes, em brigas físicas e no nefasto “bullyng”, nada mais do que a importunação psicológica permanente, tudo isso entre estudantes.
É também a violência contra profissionais da educação, especialmente em relação a professores e professoras, por conviverem diária e diretamente por horas a fio com alunos (as) e serem responsáveis pelo processo de ensino e tudo o que nele está envolvido, especialmente as cobranças por disciplina, avaliações e aplicação de notas.
Nos últimos anos um novo fenômeno vem ganhando espaço na complexa e violenta realidade social brasileira, a dos ataques ou atentados às escolas. Um levantamento feito pelo Instituo Locomotiva divulgado nesta semana aponta que 69% dos alunos e 68% dos professores consideram as escolas estaduais como ambientes violentos.
Nos últimos nove meses foram realizados nove ataques como o que vitimou a professora Elisabete. Com ela, chegamos a oito pessoas mortas, entre estudantes e professores (as). No mesmo dia do triste fato fomos informados que outras situações do tipo foram evitadas em outras escolas. Quer me parecer, e espero estar errado, que estamos diante de uma onda que se avoluma. Diante dela, é importante que as entidades vinculadas à luta pela educação, especialmente as que representam profissionais da área e estudantes sigam se manifestando, como fizeram a APEOESP (Sindicato dos Professores da Rede Oficial Estadual de São Paulo) e UPES (União Paulista dos Estudantes Secundaristas), UMES (União Municipal dos Estudantes Secundaristas) e UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) exigindo aprimoramento do trabalho pedagógico, acompanhamento psicológico e equipes multidisciplinares.
Por outro lado, de um conjunto de reivindicações nesse campo, convivemos com as fórmulas mágicas do senso comum que povoam não apenas as cabeças das pessoas com menor compreensão dos problemas do país, mas também dos clássicos jornalistas e apresentadores de programas policialescos profundamente toscos, com grande alcance midiático, vociferando como sempre na suposta defesa da segurança pública.
Do “é preciso colocar detectores de metais na entrada das escolas” (imagina fazer revista em malas de alunos e neles próprios todo dia na entrada em escolas públicas que têm centenas de alunos por turno), passando pelo apelo antipedagógico por Polícia Militar dentro das escolas – elemento que tende a agregar ainda mais tensão e revolta – até a velha tese inútil da diminuição da maioridade penal.
O rosário de pitacos supostamente sábios, imediatistas, conduz as pessoas ao mesmo erro de sempre quando tentam interpretar um fenômeno qualquer (como neste caso de grande comoção): olham o acontecido de modo isolado, sem as necessárias conexões com o contexto geral no qual estamos inseridos. Como se a violência nas escolas fosse algo intrínseco a elas ou pela forma como elas funcionam.
Porque é mais fácil propor medidas imediatistas, paliativas, do que buscar soluções globais. O problema é que, sem soluções globais, medidas paliativas servem para apaziguar as consciências coletivas e as responsabilidades do Estado, mas se esgotam muito rapidamente exatamente por não atacarem os problemas de frente e com a profundidade que merecem. É como colocar um esparadrapo sobre a pele atacada pelo câncer. Vai esconder a ferida por um tempo, mas não impede a doença de se espalhar.
E assim vamos vivendo de tragédia em tragédia, maquiando a dura e dantesca realidade de uma sociedade profundamente dividida em classes sociais que travam uma guerra cotidiana pelo acesso às migalhas do capitalismo em uma ponta, e pela manutenção do controle férreo da riqueza por uma minoria na outra.
Vivemos em uma sociedade que carrega em si preconceitos profundos, enorme dificuldade em conviver com os diferentes, fisicamente, intelectualmente, etnicamente, religiosamente, politicamente, etc, elementos centrais geradores do “bullying” que é permanente dentro e fora das escolas, e presente entre adultos, adolescentes e crianças.
Não basta acreditar que o problema está em tornar as leis mais duras, em ampliar a repressão dentro das escolas e nas ruas. As contradições profundas que o capitalismo produz nas diversas nações, e no Brasil em especial, geram em escala industrial (perdoem a figura de linguagem) conflitos em todos os níveis, criando contradições não apenas entre as classes, mas também dentro das classes.
Há uma profunda disruptura entre o próprio proletariado, processo que foi extremamente acentuado a partir da ascensão da extrema direita ao poder em 2018 com a proliferação do ódio em larga escala contra as forças políticas do campo progressista, em especial contra os comunistas. Mas não só: estamos diante de uma forte expansão da violência contra a mulher, dos ataques racistas e contra a população LGBTQIA+, resultante de uma verdadeira guerra cultural movida com grande sucesso pela extrema direita por anos a fio, montada em uma máquina milionária de comunicação alimentada por setores retrógrados do empresariado e donos de igrejas ditas evangélicas. Tudo isso atinge de frente as escolas e afeta o comportamento de crianças e adolescentes, explodindo diretamente o trabalho desenvolvido nas escolas. O ódio ao diferente e a quem luta por uma sociedade diferente tornou-se transversal.
Creiam: não vamos a lugar algum se não tomarmos em nossas mãos a tarefa de implementar uma profunda transformação econômica acompanhada de mudanças intensas nas relações de produção, propiciando uma renovada redistribuição da riqueza socialmente produzida, combatendo em todos os campos a pobreza, a miséria e o obscurantismo intelectual.
Se medidas de curto prazo são necessárias, insisto nisso, seu potencial de estancar a violência dentro das escolas é muito limitado. Não avançar para isso significa irmos a lugar algum. Ou melhor, vamos sim. Vamos continuar a chafurdar na lama da iniquidade social da miséria e pobreza, no banditismo por um lado e na violência estatal contra a maioria da população por outro. E seguiremos mergulhados em preconceitos de todo tipo entre nós mesmos. Enquanto isso, seguiremos reverenciando memórias de mortos, dentro e fora das escolas.
ALTAIR FREITAS, historiador e secretário executivo da Escola Nacional do PCdoB