O grupo chileno Vitamina, que desde 2019 adquiriu 37 escolas particulares de educação infantil em São Paulo, enfrenta agora uma série de ações judiciais devido a problemas de pagamento de professores e aluguéis, além de reclamações por parte de pais relativas ao atendimento das crianças de zero a 5 anos.

Conforme apuração realizada pelo Estadão, na terça-feira, dia 9, algumas escolas não abriram ou registraram faltas de funcionários em decorrência da ausência de pagamento dos salários deste mês pela empresa.

“Cada hora era uma professora, era desesperador. Não tinha auxiliar as crianças sem referência alguma de um adulto na sala de aula e não nos deixavam nem entrar na escola”, conta a psicóloga Cecília Dias, mãe de João, um aluno da Escola Jacarandá que permaneceu na instituição até o final de 2022.

Antes de ser adquirida pelo grupo em 2019, a instituição era reconhecida como uma referência em educação infantil na cidade de São Paulo, com mais de 25 anos de atuação na região de Higienópolis.

“É muito triste ver o que aconteceu com a escola, as donas eram profissionais maravilhosas, mas toda a proposta pedagógica foi mudada. Agora virou um espaço apenas para as crianças estarem sem educação alguma”, diz.

Após retirar seu filho João da escola, Cecília comparou a situação atual com o atendimento que teve para seu filho mais velho, que atualmente tem quase 7 anos e cursou toda a educação infantil na Jacarandá.

De acordo com ela, a escola começou a unir turmas de diferentes idades, deixou de oferecer aulas de música e removeu brinquedos do pátio.

“Tudo era feito sem transparência alguma, ninguém explicava, a diretora não tinha autonomia e não conseguimos falar com a Vitamina”, completou.

Mensagens aos quais o Estadão teve acesso revelam que, para tentar contornar a falta de professores que era demitidos ou faltavam por não receberem salário ou vale-alimentação, a Vitamina criou um grupo no WhatsApp denominado SOS Escolas, que supostamente visava prestar apoio aos funcionários.

De acordo com os prints das conversas, a empresa solicitou a funcionários do setor administrativo que fossem às escolas para cuidar das crianças, o que constitui uma prática ilegal.

Isso porque, a legislação brasileira estabelece que somente professores com formação superior podem atuar como responsáveis pelas salas de aula no ensino infantil.

Pandemia

As escolas de educação infantil foram as mais afetadas pela pandemia em 2020 e 2021, pois a obrigatoriedade de matrícula se inicia a partir dos 4 anos de idade e o ensino online não é recomendado para crianças pequenas.

As instituições adquiridas pela Vitamina, que enxergou uma oportunidade de negócio com a perda de receita e alunos, eram em sua maioria pequenas e ofereciam atendimento personalizado.

Denúncias

Durante a apuração, a reportagem teve acesso a um vídeo que mostrava a presença de baratas nas dependências de uma das escolas adquiridas pela Vitamina. Além disso, funcionários e professores relataram problemas como vazamentos de água, infiltrações e falta de manutenção nos equipamentos de ar-condicionado das instituições. Vale ressaltar que algumas dessas escolas possuem mensalidades que chegam a cerca de R$ 3 mil.

“Como meu filho tinha perdido muito com a pandemia, acabei deixando mais um ano na mesma escola, mas me arrependo”, conta advogada Amanda de Queiroz, que também tirou o filho de uma escola comprada pela Vitamina.

Uma mãe cujo filho estudava na escola Lumens, em São José dos Campos, que foi adquirida pela Vitamina, publicou um vídeo nas redes sociais este ano, denunciando a falta de alimentos na instituição. Como resultado, a escola perdeu todos os seus alunos e foi fechada.

Credores

De acordo com um advogado que representa diversos credores da empresa chilena, os funcionários e professores da Vitamina não recebem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) desde setembro. Além disso, as verbas rescisórias dos trabalhadores que são demitidos estão sendo divididas em parcelas mensais de 11 meses.

Desde o final de 2022, os aluguéis dos prédios que abrigam as escolas adquiridas pela Vitamina também não são pagos. Joel Batista, representante das escolas e funcionários que estão em litígio com a empresa, afirma que, caso a situação não seja regularizada, a Justiça poderá solicitar o despejo dos imóveis.

“Isso deve se arrastar até o fim do ano apenas em respeito às crianças que estão no local”, diz.

O que diz o grupo

Ao ser questionada sobre a situação da empresa e as denúncias feitas por pais, professores, funcionários e ex-proprietários de escolas, a Vitamina respondeu por meio de uma nota, afirmando que foi afetada pela pandemia, “assim como outras empresas do setor”, mas que não está à venda e deseja construir um “projeto de longo prazo no País.”

“Faremos tudo que estiver ao nosso alcance para honrar o compromisso de entregar uma educação infantil de qualidade a todas as nossas crianças e famílias”, diz trecho da nota.

O grupo chileno também afirmou que está adotando uma “política mais rigorosa de gastos, em consonância com a realidade e o atual contexto do setor”. A empresa ainda ressaltou que nunca tomou decisões que possam colocar em risco a “integridade das crianças que frequentam as escolas adquiridas”.

Além disso, a Vitamina destacou que investiu uma quantia significativa de recursos para modernizar as instalações das escolas, melhorar a segurança, ampliar as cozinhas e as salas de aula, entre outras ações realizadas.

Com informações da CONTEE

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