Insensível à agenda social, por se achar sempre de costas para os princípios, fundamentos e garantias constitucionais, o Congresso Nacional mostra-se diuturnamente aberto à aprovação, quase sempre à toque de caixa, de leis com caráter punitivo, fazendo-o a pretexto de criar e implementar medidas e programas que reforcem a segurança da sociedade.
No entanto, são raras — se que é que se pode apontar alguma — as medidas dessa natureza que, minimamente, cumprem seu pretexto. Quase sempre, causam embaraços, insegurança jurídica e inquietação social. Porém, isso não provoca reflexão alguma sob sua ineficácia e impertinência. Ao contrário, só faz multiplicar a insaciável sede de as multiplicar, como se os graves problemas sociais decorressem da falta de leis punitivas. E o que é pior: essa sanha, em geral, conta com o apoio solene do Poder Executivo, quando não a própria iniciativa.
Como prova dessas afirmações, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 15 de janeiro de 2024, a Lei 14.811, de 12 de janeiro de 2024, que acrescenta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — Lei 8.069/1990 —, o Art. 59-A, determinando aos estabelecimentos educacionais, públicos e privados, que trabalhem com crianças e adolescentes, que exijam de todos os seus “colaboradores” — gestores, professores e administrativos —, a cada seis meses, a apresentação de certidões de antecedentes criminais.
Tal exigência, longe de trazer uma fagulha sequer de perspectiva de proteção à comunidade escolar e à sociedade, serve apenas como formalidade, incapaz de produzir efeito prático benéfico aos atores educacionais, sobretudo às crianças e adolescentes.
Ao reverso, só se prestará a multiplicar os tormentos e a insegurança dos trabalhadores — professores e administrativos — e dos próprios gestores escolares. Isso porque dela não advirá efeito prático, posto que, nos termos do Art. 5º, X e LVII, da Constituição Federal (CF), respectivamente, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Desse modo, os estabelecimentos de ensino não poderão divulgar as certidões de antecedentes criminais de seus “colaboradores”, sejam elas positivas ou negativas, sob pena de se sujeitarem à obrigação de indenizá-los. De igual modo, não podem utilizá-las como pretexto para demissão, nem mesmo sem justa causa, em razão da presunção de inocência, que, repita-se, só é perdida mediante sentença penal condenatória transitada em julgado, ou seja, que não comporte mais recurso.
Essa descabida exigência, da qual não se prontifica qualquer aspecto positivo, precisa ser debatida e enfrentada pelos sindicatos. A Contee já a incluiu na sua agenda, tendo realizado reunião de seu Coletivo Jurídico para a debater e apontar as medidas cabíveis e necessárias à prevenção de eventuais danos que ela possa causar, inclusive a ação direta de inconstitucionalidade (ADI).
Além disso, a Contee emitiu sugestão aos sindicatos a ela filiados que busquem os sindicatos das escolas e com eles discutam medidas mínimas para aplicação da lei, sem que isso cause prejuízos às escolas e aos seus trabalhadores, sendo a primeira medida sugerida a expedição de recomendação conjunta, com essa finalidade.
José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico do Sinpro Campinas e Região e da Contee