Reportagem desta Folha (“Alunos bolsistas de escolas de elite de SP relatam discriminação e segregação”, 1º/9) joga luz forte sobre declarações segregacionistas proferidas em sessão do Conselho Estadual de Educação (CEE) no dia 14 de agosto, referindo-se inclusive às bolsas de estudos para professores e funcionários não docentes.
“Há que considerar o impacto negativo [desse benefício] na vida social. Sustento isso há anos, desde que meu filho, numa escola particular, tinha como coleguinha o filho do porteiro (…). É óbvio que aquele menino, socialmente, não tinha condições de acompanhar a vida que todos os demais tinham (…). Estamos causando um mal no aspecto social, que traz flutuações no aspecto emocional, que acabam acarretando esse tipo de problema”.
O “problema” a que Cláudio Mansur Salomão, mantenedor de escolas de educação básica da região de Avaré (SP), estava se referindo era a tragédia acontecida com um menino de 14 anos, aluno bolsista do Colégio Bandeirantes (na reunião, outro conselheiro, ligado ao colégio paulistano, também se manifestou de forma deplorável). As declarações estão no YouTube, do 18º ao 24º minuto da sessão do CEE.
São falas repugnantes e preconceituosas, que negam a diversidade e a democracia. Se não bastasse, são palavras ditas por conselheiro do CEE —órgão que tem como uma de suas funções “fixar posições que expressam diretrizes fundamentais de uma política educacional para o Estado”.
De forma mesquinha (ou oportunista, pois tem interesse na eleição do sindicato das escolas), o empresário-conselheiro se aproveitou não só para investir contra conquista histórica de professores e funcionários não docentes, consagrada em convenções coletivas de trabalho, mas também para perpetrar mais uma violência contra bolsistas de baixa renda que participam de projetos sociais em colégios de elite na capital. Eles não podem ser usados como produtos de marketing pelas escolas. Precisam, todos, ser acolhidos por redes pedagógicas e de solidariedade, inclusive com atenção à saúde mental.
Também preocupante: naquela audiência, nenhuma voz se levantou para condenar a fala. Afinal, os membros do CEE são educadores. Ou não? Por ironia, a conselheira Maria Eduarda Sawaya, em nome da Abepar (Associação Brasileira de Escolas Particulares), ofereceu convites para (pasmem) o congresso “Convivência pacífica e inclusiva nas escolas: pelo fim da intolerância, do racismo e da discriminação no ambiente escolar”.
A divulgação da reunião sugere ainda necessária reflexão sobre a composição do CEE, que funciona como monopólio dos interesses dos empresários do ensino. É preciso democratizar o conselho, conforme preconiza projeto de lei 178, do deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP) e que “dormita” nas gavetas da Assembleia Legislativa de São Paulo desde 2019. É fundamental que governantes e sociedade se comprometam com o direito à educação inclusiva, democrática, de qualidade, para todas e todos, sem exceções ou privilégios.
Por fim, nossa solidariedade aos familiares e amigos do adolescente.
Celso Napolitano, presidente do Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP) e da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp)
O artigo foi originalmente publicado na seção “Tendências e Debates”, Folha de São Paulo, edição de 10 de setembro de 2024 (Ilustração: Folha)