Muito já se discutiu o uso de tecnologias em sala de aula, e obviamente os celulares estão no topo dessas discussões – mais acesas agora que o Ministério da Educação planeja o banimento dos aparelhos em salas de aula no Brasil. São conhecidas as consequências do mau uso dos aparelhos celulares não só entre crianças e adolescentes, mas mesmo entre nós, adultos: cyberbullying, “haters”, ansiedade, menos horas de sono, vício…

Não resta dúvida de que o banimento dos celulares pode promover maior interação pessoal entre alunos: este que lhes escreve testemunha, no colégio onde ministra aulas, que essa proibição permitiu a alunas e alunos um contato social mais intenso nas dependências do colégio, que talvez não ocorresse com a maioria ocupada em rolar telas ou assistir a vídeos. O debate é muito amplo e complexo, mas consideremos três fenômenos que nos parecem importantes para a conversa sobre esse problema:

1. O mundo digital reproduz as virtudes e as tragédias da sociedade material, porém com muito maior alcance e muitas vezes sob anonimato. Nada foi realmente inventado, mas ampliado no mundo digital, acelerado, posto a serviço das mais variadas intenções. Será possível controlar o que existe nesse ciberespaço sem resolver problemas sociais antigos e resistentes, como o racismo, o ódio político, perseguições ao Outro, misoginia, apenas para citar algumas das misérias sociais? Nesse sentido, ganhamos mais um espaço de luta dificílimo: o ciberespaço, e principalmente as redes sociais, que, ao mesmo tempo em que podem ampliar a comunicação, se tornam receptáculos do que de pior as sociedades podem produzir;

2. O celular é um artefato técnico que se torna cada vez mais imprescindível, graças à sua capacidade de aglutinar ferramentas antes separadas no mundo físico (relógio, jornais diários, antena, TV, reprodutor de música…), instrumento de trabalho, diversão, banco virtual, espaço digital de conversa, e já temos consultas médicas à distância. Acelerando-se essa dependência, como provavelmente continuará a acontecer, e aumentando o poder e alcance dos sistemas de ensino privados e suas plataformas (e isso não é uma boa notícia), como se dará a instrumentalização de alunas e alunos? Com computadores próprios das escolas? E de onde virá essa substancial verba, pelo menos no caso das escolas públicas e privadas de menor tamanho?

3. Temos esperança de que as discussões sobre o uso e abuso dos aparelhos celulares se alimentem, também, de nosso uso enquanto adultos/docentes, nós que também somos aferrados ao onipresente objeto de tela retangular. Se cinco adultos estão em uma mesa atentos aos seus celulares e ninguém se dá conta realmente do outro, então temos um problema. E quantas vezes este ensaísta não ouvir de estudantes que pais e mães “não saem” dos aparelhos? Isso levanta para nós, educadores, questões graves e que tem de ser debatidas com honestidade, a fim de que não nos ponhamos a bradar pela salvação das crianças e adolescentes enquanto nós mesmos nos afundamos nas redes digitais – simplesmente porque essas crianças e adolescentes precisam de nós, ao menos como referência.

Percebe-se que a luta pelo uso consciente dos aparelhos celulares não se resolverá apenas com leis e decretos; e que fique claro que aprovamos a iniciativa do atual governo no sentido da proibição dos aparelhos, desde que o assunto continue a ser tratado com atenção cotidiana e profunda, que se ouça o que têm a dizer os jovens estudantes, e que problemas sociais enraizados no país sejam enfrentados sem recuos, ou receamos que essa iniciativa caia nas águas sempre agitadas do dia a dia e seja dissolvida pelos redemoinhos alucinados da sociedade atual…

Alexsandro Sgobin é professor e diretor de Educação do Sinpro Campinas e Região (Foto: Freepik)

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