Leia na íntegra ofício sobre políticas públicas de EJA na Rede Municipal de Campinas encaminhado ao Secretário de Educação e demais representantes da prefeitura no setor. A carta tem apoio de vários coletivos e entidades, entre eles o Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Estado de São Paulo, Fórum Municipal de Educação e Apeoesp.
Campinas, 15 de outubro de 2024
Ao Exmo. Secretário Municipal de Educação de Campinas José Tadeu Jorge; Secretário Adjunto Luiz Roberto Marighetti; Diretor do Departamento Pedagógico Luciano Alves dos Reis; Coordenador da Coordenadoria Setorial de Educação Básica José Flávio Gatti; Representante Regional do NAED Leste Angela Simone F. Costa; Representante Regional do NAED Noroeste Niraldo José da Silva; Representante Regional do NAED Norte Giselle Alessandra Marchi; Representante Regional do NAED Sudoeste Silvia Vallezi; Representante Regional do NAED Sul Aziz Júlio Ramos.
Vimos através desta carta reafirmar responsabilidades do poder público na promoção de políticas públicas consistentes e permanentes que garantam o direito à educação aos jovens, adultos e idosos com baixa escolaridade em nossa cidade.
Tal horizonte de responsabilidade pública diz respeito à dívida histórica do Estado para com as classes pobres e trabalhadoras moradoras de Campinas, com predomínio da população negra, historicamente alijadas do direito à educação dentre outros direitos sociais básicos. Acreditamos que o acesso à educação de qualidade abre perspectivas de inserção na vida pública e fomenta a compreensão das condições de brutal desigualdade de nossa sociedade, contribuindo para a busca coletiva de caminhos para a sua superação, possibilitando a inclusão social, o combate ao racismo e a construção de uma cidade mais igualitária.
Essa desigualdade social e educacional marca profundamente a cidade de Campinas. Segundo o censo 2022 nossa cidade tem 22.881 pessoas na condição de analfabetas absolutas (2,4% da população acima de 15 anos). Os dados referentes à escolaridade da população, detalhados e por faixa, estão para ser divulgados pelo IBGE. Mas podemos ter uma estimativa da gravidade da situação recorrendo aos dados do “perfil do eleitor” correspondente à eleição deste ano e divulgados no site do TSE. De um eleitorado de 884.726 pessoas temos as seguintes informações sobre a escolaridade dos eleitores: 28.010 (3,17%) lê e escreve, 147.972 (16,73%) têm fundamental incompleto e 153.145 (17,31%) tem médio incompleto.
Frente a este grave cenário, o poder público tem se eximido ou cumprido precariamente seu dever de garantir a educação para os jovens e adultos de nossa cidade. Dever do Estado e direito desta parcela da população consolidados na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e reafirmado nos Planos de Educação nos âmbitos federal, estadual e municipal. Em Campinas a Secretaria Estadual de Educação abandonou a oferta presencial da EJA fundamental II e mantém uma política ostensiva de fechamento de salas e escolas que oferecem o ensino médio noturno na modalidade EJA. A Rede Municipal de Campinas e a FUMEC promovem políticas de atendimento presencial para a população analfabeta e que não tem o ensino fundamental completo, mas tratam-se de ações ainda tímidas face à enorme demanda existente, como bem mostram os dados do TSE e do censo do IBGE. Além disso, os números revelam um enfraquecimento destas políticas. No que diz respeito à oferta de EJA, nos anos finais do ensino fundamental, em 2004 tínhamos 5.805 matrículas (dados do 1° semestre) distribuídas em 191 salas. Em 2024, para o mesmo período do ano, tivemos 1827 matrículas distribuídas em 97 salas (27 delas multisseriadas).
É certo que a queda de matrículas da EJA, em contraste com a existência de um enorme contingente de pessoas com baixa escolaridade, é um fenômeno complexo e que abarca quase todo o país. Mas essa constatação só confirma a urgência de um efetivo compromisso político do poder público. Compromisso, a princípio, com o cumprimento das leis existentes. Nosso Plano Municipal de Educação (2015-2025) prevê responsabilidades do poder público com a EJA inicialmente com a expansão das matrículas, mas indo muito além dessa dimensão. É dever também do Estado a identificação e chamamento da população com baixa escolaridade, políticas públicas intersetoriais que garantam o acesso, a permanência e a conclusão dos estudos por parte dos jovens, adultos e idosos. Além disso, as estratégias do PME preveem o incremento da estrutura material e de recursos humanos, levando em conta as especificidades da modalidade e as demandas de seu público. Este necessário investimento na EJA contempla também o apoio da SME a novos formatos de oferta mais adequados ao perfil dos/as alunos/as da EJA, a criação de Centros específicos da modalidade (o que não significa nucleação de escolas) e a promoção de cursos que articulem elevação da escolaridade e formação profissional.
As ações do poder público municipal no desenvolvimento destas políticas de EJA, previstas no PME, ainda se fazem ausentes ou são descontínuas e tímidas. Na verdade o permanente fechamento/aglutinação de salas da modalidade na educação municipal revela uma lógica de naturalização do enxugamento das matrículas da EJA e um apagamento dos jovens, adultos e idosos pouco escolarizados como sujeitos de direitos.
Duas iniciativas recentes da Secretaria Municipal de Educação de Campinas podem potencializar princípios e promover movimentos no sentido de reverter o caráter marginal a que tem sido relegada a EJA nas políticas educacionais. Primeiro a retomada da discussão sobre novos formatos de oferta da modalidade. A partir da reapresentação de um documento-base, os coletivos das unidades educacionais foram convidados a se posicionarem e apresentarem novas propostas, considerando seu repertório de experiências. Os relatórios das escolas revelam dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar, demandando apoio do poder público, e também projetos consistentes, que articulam a busca por novos tempos escolares com a construção de currículos em diálogo com os sujeitos e os territórios, novas formas de agrupamentos, políticas de chamamento e acolhimento da diversidade do público da EJA. Estas vozes de educadores/as e educandos/as terão escuta por parte da Secretaria Municipal de Educação, mediante processos de decisão efetivamente participativos?
A segunda iniciativa diz respeito à adesão por parte da SME ao “Pacto pela superação do analfabetismo e pela qualificação da EJA” proposto pelo Governo Federal. Tal decisão compromete o poder público com o fortalecimento da modalidade através de políticas já mencionadas e que constituem dever legal do Estado. Agora numa perspectiva interfederativa e com alocação de novos suportes e recursos para a modalidade: expansão de matrículas, promoção de políticas intersetoriais que favoreçam a permanência dos alunos, incrementos financeiros para projetos intra e extraescolares e chamamento público, retomada do Plano Nacional do Livro e do Material Didático para a EJA, oferta de formação continuada de professores e suporte para plataforma de cadastro de alunos, dentre outras frentes. Avaliamos como fundamental a assinatura do Pacto realizada por parte da SME. A história da EJA em nossa Rede Municipal indica que as potencialidades do Pacto podem ser ampliadas, no sentido de um efetivo incremento nas políticas de EJA, se tivermos um Núcleo específico da modalidade dentro da Coordenadoria da Educação Básica para planejar/acompanhar/avaliar as políticas, escutar e apoiar as demandas das escolas, além de realizar a articulação entre a SME, a FUMEC e o CEPROCAMP.
Por fim, gostaríamos de reforçar o chamamento ao compromisso da SME com as políticas de EJA nesse momento de planejamento para o ano de 2025. Tendo em vista as considerações feitas até aqui e em respeito ao princípio da gestão democrática é fundamental que as decisões acerca de abertura/fechamento/aglutinação de salas de EJA, deslocamento de sala de recursos multifuncional e escolas bilíngues que atendem ao público da modalidade, sejam tomadas em diálogo com as comunidades escolares e com os colegiados legalmente instituídos para participar das definições, acompanhamento e avaliações das políticas públicas educacionais do município (conselhos de unidades escolares, Conselho das Escolas, Conselho Municipal de Educação).
Que a organização da SME na nova administração que se iniciará em 2025 tenha o fortalecimento das políticas de EJA como um compromisso inadiável. Colocamo-nos à disposição para a discussão.
Coletivo de Educadores e Educadoras da Rede Municipal de Campinas