Já é de conhecimento geral o ocorrido em uma escola de Paraña, Tocantins, quando um policial militar da Força Tática instou alunos e alunas de uma escola “cívico-militar” a marcharem entoando uma canção virulenta da própria PM (os militares envolvidos e o diretor da escola foram afastados); vale relembrar os trechos da canção, para que não se olvide a gravidade do fato:
“Tu vai lembrar de mim
Sou taticano maldito
E vou pegar você
E se eu não te matar
Eu vou te prender
Vou invadir sua mente
Não vou deixar tu dormir
E nas infiltrações você vai lembrar de mim”
Impressionante! No lugar de atividades físicas mais salutares, e lamentavelmente entrando como parte do programa de uma palestra de combate à violência contra crianças e adolescentes, achou justo o policial repetir frases de ódio na intenção…de quê, exatamente? Ora, basta de “casos isolados”: a tecitura social a muito já foi em boa parte esgarçada por opções políticas baseadas na violência, na distorção da História, na perseguição a progressistas, na ignorância orgulhosa, enfim, no caldo podre da extrema-direita que avulta no mundo, não apenas no Brasil. O projeto das escolas cívico-militares aponta muito claramente (néscio é aquele que não percebe, cúmplice é quem apoia) para o desejo de militarização de corpos e mentes, como se a ordem unida e uma boa marcha fossem resolver os ignominiosos problemas das escolas públicas brasileiras.
É a ideia de ser soldado, que Erich Marie Remarque mostra em seu livro*: “aprendemos que um botão bem polido era mais importante do que quatro volumes de Schopenhauer.” Por trás da ideia das escolas cívico-militares se vislumbra noção parecida, a de que uma continência bem feita vale mais que todo conhecimento humano que possa, mesmo levemente, inspirar a crítica e movimentar o pensamento.
O próprio Duce da Itália se orgulharia desse estratagema deplorável!…
Não só nas escolas se apresentam os tentáculos dessa fascistização, pois, nos movendo para São Paulo, o aumento da letalidade policial no governo do senhor Tarcísio de Freitas não pode ser encarado como mais “fatos isolados”, muito menos é uma coincidência. A espiral violenta de amargor fascista chegará às escolas cívico-militares mais cedo ou mais tarde, lembrando que esse projeto (anticonstitucional, aliás), junto com a privatização de escolas, é muito querido pelo referido governador. A violência que está na base dos movimentos de extrema-direita se casará com a violência bem conhecida das polícias militares brasileiras, e na cabeça alucinada dos defensores desse casamento sórdido, isso resultará em melhoria do aprendizado, dos valores morais (cristãos: outros valores não serão bem-vindos, saiba-se disso), da ética, do futuro de jovens alunos, na contenção da própria violência que graça em inúmeras escolas públicas (!). Tentativa de curar-se uma ferida funda batendo-se nela com um cassetete?! Homessa!…
Não somos radicalmente contra esse projeto de escolas cívico-militares apenas por questões políticas, mas também históricas, sociológicas, por conhecimento dos direitos constitucionais e civis, por muitos de nós terem vivido pessoalmente o jugo da ditadura de 64 enquanto alunos de escolas públicas e Universidades; conhecemos para onde esse caminho avança, atropelando a democracia, a liberdade de pensamento, a inteligência crítica, o direito de aprender e ensinar democraticamente. A sanha selvagem da extrema-direita alçada ao poder em várias prefeituras e em alguns governos de Estado pode ser refreada pela lei, pelos movimentos sociais, pelos sindicatos, pela parcela progressista do povo, mas não silencia: apenas recolhe-se, acovardada e murmurante, nos momentos em que é enfrentada por contas de atos criminosos, para depois abandonar suas tocas e retornar a luz do sol.
Não há alternativas frente a esse retrocesso gritante senão o combate sem tréguas a essa espiral antidemocrática! Nem um passo para trás!
Alexsandro Sgobin é professor e diretor de Educação do Sinpro Campinas e Região (Foto: Assessoria de Comunicação)