O filme Ainda Estou Aqui é um daqueles casos em que a realidade supera de longe as expectativas. Não apenas pelo fato de estar estourando bilheterias e por ser o representante brasileiro (e competitivo) ao Oscar 2025, mas também por suscitar, além do encantamento com a obra, indignação com os efeitos da ditadura sobre a vida das pessoas e do país.

Num momento em que boa parte da população está inclinada à direita e à extrema-direita, com pendores claramente ditatoriais, ver jovens — muitos dos quais não ligados à política —, indo na contramão, denunciando o autoritarismo e a tortura a partir de sua própria experiência familiar, não é pouca coisa.

Desde seu lançamento, com o aumento gradativo do público que foi aos cinemas assisti-lo, começaram a pipocar nas redes sociais, mas em especial no Tik Tok, inúmeras postagens de jovens, com seus 20 e poucos anos — ou seja, que não viveram sequer a transição democrática — trazendo depoimentos de familiares que foram presos e torturados nos porões da ditadura.

Dirigido por Walter Salles, o filme é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Além da belíssima direção, a obra conta com um elenco impecável que tem como protagonistas Selton Mello — interpretando o deputado Rubens Paiva, pai de Marcelo, assassinado pela ditadura —, além de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro — que vivem, em fases diferentes, Eunice Paiva, esposa do parlamentar e uma das principais ativistas na busca por resposta e punição aos responsáveis pelos desaparecimentos e torturas. Fernanda Torres, aliás, é cotada para também concorrer ao Oscar por sua atuação.

O filme aproxima o espectador da história, tanto a dos Paiva quanto a do país, e é envolvente por mostrar o peso da ditadura na vida de uma família de classe média, como tantas outras. Talvez seja o elemento da identificação que fez tantas pessoas, para além das que habitualmente acompanham o cinema nacional, a assisti-lo.

Esse impacto pode ser verificado nos números que envolve. Ainda Estou Aqui se tornou a maior bilheteria do cinema brasileiro no período pós-pandemia, tendo alcançado mais de 2 milhões de pessoas e faturado R$ 49 milhões, deixando para trás produções blockbusters de Hollywood.

Tal efeito não era esperado pelo próprio diretor. “Os cinemas começaram a ficar completamente lotados, e nos tornamos o filme número 1 no Brasil no fim de semana passado (16 e 17/11)”, disse Walter Salles, conforme notícia veiculada pela CNN Brasil.

Além disso, salientou: “Está se transformando em um fenômeno cultural, sociológico e político. Não poderíamos ter previsto isso, e isso me fez refletir sobre como a literatura, o cinema e a música podem ser ferramentas poderosas contra o esquecimento”.

E é justamente aí que reside, talvez, o seu maior mérito: jogar luz sobre o que foi a ditadura e chamar atenção de uma geração que pouco sabe a respeito. Contaminados pelas redes, por Bolsonaros, Nicolas e Pablos da vida, não são poucos os jovens que, como se não bastasse ignorar o que de fato foram aqueles anos sombrios, ainda cultuam os ditadores e seus agentes e apoiadores.

O filme fura essa bolha de negacionismo, ignorância e cinismo e coloca o dedo na ferida. Foi assim que os relatos nas redes ganharam espaço e viraram trends.

Reportagem da BBC Brasil mostra alguns desses casos. Um deles foi o de Maria Petrucci, de 22 anos, cujo pai foi preso nos anos 1970. Após contar um pouco dessa história — uma das primeiras a repercutir e render outros depoimentos no Tik Tok —, Maria declarou: “Eu não imaginei que ia ter essa repercussão e muitas pessoas jovens perguntando o que foi a ditadura. Fiquei feliz que pude contribuir para que outras pessoas pudessem ter mais consciência de todo o prejuízo que muitas famílias sofreram. Vi um paralelo com a história do meu pai”.

Para além dos efeitos diretos que o filme pode causar, os que lutamos pela democracia e pela igualdade hoje — em meio a planos golpistas e de assassinatos de autoridades que, felizmente, não se concretizaram —, torcemos não apenas para que Ainda Estou Aqui vença todos os prêmios possíveis, mas que ajude a conscientizar quem desconhece ou finge desconhecer as mortes, as dores e os retrocessos irrecuperáveis que os 21 anos de ditadura legaram ao Brasil.

Fonte: Vermelho (Foto: Divulgação)

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