No dia 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 (AI-5) selou o momento mais brutal da ditadura militar brasileira, marcando o início de um regime que institucionalizou a repressão, perseguiu opositores e violou direitos humanos de forma sistemática. Passados 56 anos, o Brasil continua a lidar com as consequências de um autoritarismo que nunca foi plenamente enfrentado.
A democracia brasileira, tão exaltada na Constituição de 1988, nunca foi plenamente efetivada. Desde o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, passando pela eleição de Jair Bolsonaro — um defensor declarado da tortura e de torturadores —, até os eventos de 8 de janeiro de 2023, quando uma tentativa de golpe ameaçou as instituições, o país mostra que ainda convive com estruturas e mentalidades autoritárias herdadas da ditadura.
O AI-5 foi o ponto culminante de um regime que cassou mandatos, suspendeu direitos, fechou o Congresso e institucionalizou a tortura e os desaparecimentos forçados. A violência do Estado brasileiro durante esse período foi devastadora, mas, ao contrário de países vizinhos como Argentina e Chile, a transição democrática no Brasil optou pelo esquecimento, mascarado por um pacto de silêncio sustentado pela Lei da Anistia de 1979.
Esse pacto não só blindou torturadores e violadores de direitos, como também impediu que a sociedade brasileira desenvolvesse uma memória coletiva que identificasse a ditadura como um período traumático. Não é por acaso que, até hoje, muitos afirmam que “naquele tempo, as coisas eram melhores”, perpetuando o negacionismo histórico e a glorificação de um passado de repressão.
A interpretação da Lei da Anistia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é um dos desafios centrais para que o Brasil encare, de fato, sua história. O STF tem a oportunidade histórica de reverter a impunidade que protege os agentes do regime militar, alinhando-se a princípios internacionais de justiça. É preciso reafirmar que crimes contra a humanidade, como tortura e desaparecimentos forçados, não prescrevem e não podem ser anistiados.
Apesar das ameaças à democracia, há sinais de avanços. O anúncio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a retificação dos atestados de óbito de mortos e desaparecidos políticos é uma vitória significativa. Do mesmo modo, a recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos representa um passo na luta por verdade e justiça.
No entanto, essas conquistas precisam ser acompanhadas de um esforço mais amplo para combater o negacionismo e enfrentar a permanência do aparato repressivo que sobreviveu à ditadura. Não se trata apenas de revisitar o passado, mas de compreender como ele molda o presente e ameaça o futuro.
A luta por memória, verdade e justiça não é apenas uma questão histórica, mas um imperativo político para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Negar a ditadura é ignorar nossa história. E ignorar nossa história é abrir caminho para que os erros do passado se repitam.
Jana Sá, presidenta do Comitê Estadual de Memória, Verdade e Justiça do Rio Grande do Norte (Foto: Companhia das Letras/Divulgação)