
Imagine, colega professora, colega professor, um futuro (bem) próximo no qual você teria total liberdade de negociar (…) seus direitos direto com o patrão, como pregam os influenciadores “liberais”. Imagine-se sentando-se à mesa, posta esta com acepipes e sinais de boas-vindas, sorrisos cordatos e uma série de solicitações que serão lidas atentamente pelo patronato, discutidas com todos os presentes, havendo nessas solicitações aumento salarial digno (acima da inflação, por favor), melhoria sincera da infraestrutura escolar se preciso, oferecimento de convênios médicos de boa reputação, pagamento sem discussão de horas tecnológicas, provas substitutivas, feiras, eventos, reuniões, conselhos, atenção solícita à sua saúde enquanto profissional que leciona, oferecimento de plano de carreira e chances de aprimoramento profissional (e por que não um mestrado ou doutorado?), com os custos disso negociados humanamente pelo patrão, e aceita a sua ausência durante esse aprimoramento, sem reservas.
Acordos realizados, com seus direitos preservados e até mesmo aumentados em alguns pontos em prol do professor, abrem-se os champanhes e dão-se vivas ao bom encontro, todos se veem contentes com o que foi celebrado e firmado…talvez haja até mesmo uma festa!
Mas é claro que não!!!
Só mesmo a mais rematada ingenuidade, ou a desmiolada fé de que o que é bom para o lucro é bom para nós também, acreditaria real a cena que descrevemos acima. Atentem, colegas! “A “reforma trabalhista” que veio em 2016 feriu de morte vários direitos conquistados a duríssimas penas por quem veio antes de muitos de nós, procurou destruir os sindicatos e a CLT com a estranhíssima ideia de que “direitos demais atrapalham” e atravancam o “pleno emprego”, sublinhando tudo com a ideologia “empreendedora”. Aliados a essa chance sem par, grandes conglomerados educacionais lutam tenazmente para precarizar ainda mais nosso ofício, diminuir nossos parcos ganhos, ao mesmo tempo em que relatos de assédio e ameaças de demissão surgem repetidamente, e já não se esconde que sermos substituídos pela IA faria muitos investidores felizes. Sua saúde, nossa saúde se deteriora com as altas cargas de trabalho: burnout, depressão, crises de ansiedade, insônia, doenças do aparelho fonador, LER, eis doenças recorrentes de nossa profissão.
E teremos sorte se não formos desancados ou mesmo atacados durante nosso trabalho.
Será possível, colegas, concordar que temos “direitos demais”, como dizem muitos desses oradores do “novo mundo do trabalho”??
Basta! Joguemos fora toda de uma vez por todas as noções absurdas de que exercemos uma espécie de “sacerdócio”, de “missão sagrada”, e, portanto, todo sofrimento seria uma espécie de redenção ou de fardo a se sustentar altivamente, ainda que entremos em sala de aula febris, mesmo que sejamos ofendidos, atacados, humilhados; se contarmos moedas ao dia 30 de cada mês, fila do supermercado, que suportemos alegres nossos salários com tão poucos zeros depois da vírgula, se somos donos de um “dom”…
Somos trabalhadores e trabalhadoras, e sujeitos aos mandos e desmandos do Capital (aliás, percebendo salários muito menores que uma vasta parcela de profissionais com ensino superior, frisemos); onde o “dom”, a “missão”? E, mesmo que assim fosse, que valor realmente nos dá o patronato e substancial parte da sociedade, não escondamos o fato, por nossa “diferença”?
O mais provável, colega, se prevalecer o desejo do patronato, é que num futuro próximo você seja convidado a construir contratos (sua carteira de trabalho terá sido dispensada…) negociando férias, salário, extras, cargas de trabalho e o próprio emprego diretamente com o lucro, queremos dizer, com o patrão…com pleno prejuízo para você, se é que ousa duvidar disso.
Tudo isso, colegas, foi para colocar, inclusive, que resta algo que ainda luta para que essa cena deplorável não se torne verdade, que são os sindicatos. Sim, os mesmos sindicatos, no caso o seu – Sinpro Campinas e Região -, se a leitora/o leitor foi educadora/educador de instituições privadas, que são atacados com ferocidade nas mídias de massas, pela extrema-direita, por arautos do capital, por desinformados, pelos que colhem lucros na cifra de milhões ao mês. São os que afirmam, sem corar, que o sindicato atrapalha seu emprego, e que sem ele as negociações com o patrão seriam muito melhores.
E quem, perguntamos, irá defender os seus tão vilipendiados direitos se os sindicatos combativos forem destruídos, como é o sonho de todo e qualquer patrão? Conseguem pensar em alguém, colegas?…
Livremo-nos de acreditar em contos de fada, adultos que somos! Sem muita luta perderíamos até o que nos seria devido por lei; sonhe-se então com melhorias, se estivermos passivos, aguardando boas vontades de quem nunca as teve conosco, senão por embates!
Sem suor na luta, um futuro nada auspicioso nos aguarda.
Sentem-se confortáveis com essa possibilidade, colegas?
Não podemos crer que sim. Não devemos crer que sim.
Alexsandro Sgobin é professor e diretor do Sinpro Campinas e Região