
O atual PNE (Plano Nacional de Educação) tem vigência até o fim de 2025. Enquanto se iniciam os trâmites para a criação de um novo documento, o Brasil ainda vive um cenário de atrasos em relação às metas atuais, especialmente no que diz respeito à educação infantil. Apesar dos avanços no acesso à creche e à pré-escola, o país não atingiu os compromissos firmados em 2014.
O estudo “Panorama do Acesso à Educação Infantil no Brasil”, lançado recentemente pela organização Todos pela Educação, com base em dados da Pnad-C (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua) e do Censo Escolar, revelou que a porcentagem de crianças de 0 a 3 anos nas creches foi de 41,2% em 2024, quase 9% abaixo da meta de 50%.
Na pré-escola, o Brasil quase alcançou a universalização entre crianças de 4 a 5 anos, com um percentual de 94,6%. A meta do atual PNE era de que 100% das crianças nessa faixa etária tivessem acesso à escola desde 2016.
Apesar das defasagens, o país conta com uma série de ações e legislações voltadas para a infância. “O Brasil tem um histórico de ser bom formulador de políticas públicas, que são excelentes no papel, mas que, infelizmente, não se concretizam na prática. Por isso, o acompanhamento e o engajamento ativo na implementação dessas políticas são essenciais”, afirmou Marina Arilha Silva, coordenadora de programas da Fundação Van Leer.
A lista de documentos voltados para a infância é extensa. Em julho deste ano, o Ministério da Educação (MEC) lançou o Conaquei, o Compromisso Nacional pela Qualidade e Equidade na Educação Infantil, que prevê uma série de ações em cinco eixos:
– Gestão democrática: foco na governança interfederativa e na articulação territorial para coordenação e execução das ações previstas.
– Identidade e formação profissional:valorização e qualificação dos profissionais da educação infantil por meio de programas de formação inicial e continuada.
– Proposta pedagógica: promoção de práticas pedagógicas baseadas nas diretrizes curriculares nacionais e disseminação de boas práticas educacionais.
– Avaliação da educação infantil:implementação de estratégias de monitoramento e avaliação da qualidade e equidade da oferta da educação infantil.
– Infraestrutura, edificações e materiais:realização de diagnósticos e apoio para melhorias nas condições físicas e pedagógicas das instituições de educação infantil.
Em conjunto com a política, foi lançado um documento com parâmetros para alcançar a equidade e melhorar a qualidade da educação infantil nas dimensões citadas. Marina ressalta que esse novo compromisso estabelecido pelo governo contribui para o cumprimento das metas do PNE.
“O Conaquei oferece uma estratégia bem articulada entre o governo federal, estados e municípios, para apoiar tecnicamente os entes a avançarem na universalização da pré-escola e na ampliação do acesso às creches, que são duas metas centrais da política nacional de educação. Além disso, ao ter como base marcos regulatórios atualizados, como os parâmetros de qualidade e equidade e as diretrizes operacionais nacionais, ele contribui para transformar em prática muitos dos princípios da política nacional”, afirma.
Profissionais de Educação Infantil
Entre as ações previstas no Conaquei, há objetivos voltados para o fortalecimento da formação docente. O artigo 22 prevê a organização de ações para a melhoria contínua da formação desses educadores, além de promover melhores condições de trabalho, reconhecimento e valorização da identidade profissional.
“Atualmente, municípios e estados promovem formações continuadas sem parâmetros nacionais para isso. O compromisso visa corrigir essa lacuna”, afirma Beatriz Abuchaim, gerente de políticas públicas da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Para ela, políticas como o Conaquei estão alinhadas com o PNE, tanto o vigente quanto o texto que atualmente está sendo construído.
Em tramitação no Congresso Nacional, o novo texto propõe a criação de 18 objetivos organizados em oito temas centrais: educação infantil, alfabetização, ensino fundamental e ensino médio, educação integral, diversidade e inclusão, educação profissional e tecnológica, educação superior e estrutura e funcionamento da educação básica. Esses dezoito objetivos se desdobram em 58 metas e 252 estratégias, que incluem políticas, programas e ações prioritárias.
Beatriz pontua que, no campo da educação infantil, é importante também destacar os avanços das últimas três décadas, como a ampliação do número de vagas (destacado no estudo da Todos pela Educação), a inclusão da educação infantil no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), a incorporação dessa etapa na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e o estabelecimento das diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil.
“A educação infantil no Brasil é uma política bem estruturada, se comparada a outros países, inclusive desenvolvidos. Ela é bem elaborada e arquitetada”, afirma. Contudo, ela também destaca que a maior preocupação está nas desigualdades no acesso a essa etapa da educação.
Crianças brincam em uma trilha de pneus coloridos dispostos no chão entre dois muros, em um pátio escolar.Jarbas Oliveira/PorvirAtividades no Centro de Educação Infantil Jornalista Ivonete Maia, em Fortaleza (CE)
O levantamento da Todos pela Educação também revelou um aumento na desigualdade entre famílias de alta e baixa renda. Em 2016, a diferença de acesso entre os 20% mais ricos e mais pobres era de 22 pontos percentuais, e em 2024 essa diferença subiu para 29,4 pontos percentuais.
“Existe uma desigualdade no acesso para crianças em situação de maior vulnerabilidade, provenientes de famílias de baixa renda, em comparação com as crianças com melhores condições socioeconômicas. Isso é muito claro quando olhamos os dados tanto em relação à pré-escola quanto às creches”, diz a especialista.
Além do acesso, ela também enfatiza a importância de observar a qualidade, um dos pontos centrais do novo compromisso desenvolvido pelo MEC. “O maior investimento e visibilidade precisam ser dados à qualidade do que está sendo feito. Precisamos destacar que a implementação de um bom currículo, a formação inicial e continuada dos professores, e a infraestrutura adequada são fatores cruciais para garantir uma boa qualidade para as escolas de educação infantil”, afirmou.
Em comunicado à imprensa, Manoela Miranda, gerente de políticas educacionais da Todos pela Educação, destacou que a dificuldade no acesso à educação infantil compromete o direito dessa parcela da população à educação. “Sem a adoção de políticas estruturantes para a expansão com qualidade e equidade, o Brasil continuará privando uma parcela significativa de suas crianças do direito à educação infantil e, consequentemente, ao pleno desenvolvimento nos primeiros anos de vida. Garantir o direito à educação infantil de qualidade, com atenção à redução das desigualdades, é indispensável”, disse.
Do Porvir (via Contee)