
O Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção do suicídio e à valorização da saúde mental, lança luz sobre uma realidade que corrói silenciosamente a educação brasileira: o adoecimento emocional dos profissionais que trabalham nas escolas. Professores e técnicos administrativos enfrentam níveis alarmantes de estresse, ansiedade e depressão, em um quadro que evidencia a urgência de políticas públicas estruturantes para a valorização da categoria.
Um cenário assustador no Brasil e no mundo
Entre 2022 e 2023, 62% dos docentes da educação básica relataram sintomas frequentes de estresse, ansiedade ou depressão, segundo levantamento do Inep. A pesquisa do Instituto Península (2022) apontou que 84% dos professores se sentem emocionalmente exaustos, enquanto estudo da Fiocruz (2023) revelou que sete em cada dez docentes apresentam sinais de depressão ou ansiedade.
Técnicos administrativos também sofrem com a sobrecarga: jornadas longas, pressão constante, falta de reconhecimento e ambientes de trabalho precários contribuem para o adoecimento emocional de toda a categoria.
No panorama internacional, o Brasil lidera a América Latina em esgotamento emocional entre educadores, segundo a OIT, mostrando que a crise é estrutural, e não apenas individual.
O cenário mundial também é preocupante: a OMS estima que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com transtornos como ansiedade e depressão. Essas condições são a segunda principal causa de incapacidade de longo prazo globalmente, com impactos humanos e econômicos devastadores, custando cerca de US$ 1 trilhão por ano em produtividade perdida. Famílias vulneráveis são as mais afetadas, muitas vezes gastando mais da metade de sua renda com cuidados de saúde.
Apesar de avanços em políticas públicas e programas comunitários, os investimentos permanecem insuficientes, representando apenas 2% dos orçamentos de saúde dos governos. A desigualdade entre países é gritante: enquanto alguns investem até US$ 65 por pessoa, outros chegam a menos de cinco centavos.
O Global Mind Project mostra que 34% dos brasileiros relatam angústia constante, 38% estão em recuperação emocional, e os jovens até 35 anos são os mais afetados.
Esses números evidenciam que a saúde mental não é responsabilidade individual. Trata-se de uma questão estrutural, social e política, que exige ação concreta de governos, comunidades e instituições, incluindo a valorização e o cuidado com todos os profissionais da educação.
Novos desafios: EAD, tecnologia e sobrecarga domiciliar
O crescimento acelerado do Ensino a Distância (EAD) intensifica as precariedades enfrentadas pelos profissionais da educação. Professores e técnicos administrativos lidam com o ensalamento — a forma como são distribuídos entre turmas e horários — que muitas vezes gera sobreposição de turmas, sequência de horários e superlotação. A infraestrutura escolar insuficiente e jornadas que se estendem muito além do horário regular aumentam ainda mais a pressão sobre esses profissionais.
O uso intenso e inadequado de tecnologias ameaça o direito à desconexão, fazendo com que o trabalho escolar se misture às atividades domésticas. O tempo de sala de aula e o tempo em casa se confundem, aumentando o estresse e a exaustão emocional.
Em julho de 2025, o MEC publicou a Portaria nº 506/2025, que regulamenta a Nova Política de Educação a Distância. O documento define normas para a formação acadêmica e atribuições do corpo docente e mediadores pedagógicos, avaliações de aprendizagem, materiais didáticos, plataformas digitais e o funcionamento dos polos EaD. Apesar do avanço regulatório, o grande desafio agora é garantir a implementação efetiva da portaria, assegurando que as normas contribuam de fato para melhores condições de trabalho e para a saúde mental dos profissionais.
Ensino privado e a sobrecarga docente
A precarização da carreira docente é ainda mais evidente no ensino privado. Em 2013, o setor registrava 5,4 milhões de matrículas para 181 mil professores. Dez anos depois, em 2023, o número de matrículas subiu para quase 8 milhões, enquanto a quantidade de docentes caiu para 150 mil.
O resultado é claro: mais alunos para menos professores, com profissionais sobrecarregados, responsáveis por turmas extensas e, em alguns casos, milhares de estudantes simultaneamente. Segundo especialistas, isso não configura carreira, mas exploração, agravando o esgotamento emocional e os riscos à saúde mental.
Ações efetivas e concretas
O Setembro Amarelo não pode se resumir a campanhas pontuais. A valorização dos profissionais da educação precisa sair do papel e se traduzir em medidas concretas:
Planos de carreira estruturados;
Progressão salarial justa e estabilidade;
Formação continuada;
Redução das jornadas exaustivas;
Condições dignas e seguras de trabalho.
A escola também deve assumir papel estratégico na prevenção, com ações de cuidado e acolhimento, como rodas de conversa com profissionais da saúde, programas de habilidades socioemocionais, ambientes inclusivos e capacitação dos trabalhadores para identificar sinais de sofrimento.
Setembro Amarelo agora é lei
A campanha Setembro Amarelo foi oficializada pela Lei 15.199/2025, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A norma institui que, anualmente, o mês de setembro seja dedicado a ações de prevenção à automutilação e ao suicídio em todo o país, com destaque para os dias 10 de setembro (Prevenção do Suicídio) e 17 de setembro (Prevenção da Automutilação).
Compromisso com a vida
Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), a campanha reforça a necessidade de olhar com seriedade para a saúde mental de professores e técnicos administrativos, combatendo o adoecimento que corrói a educação.
Prevenir o suicídio e cuidar da saúde mental não é apenas tarefa do indivíduo ou da área da saúde: é responsabilidade coletiva e compromisso político com a vida, os direitos humanos e a valorização da educação.
Defender a dignidade dos trabalhadores da educação é também defender um futuro melhor para toda a sociedade.
Publicado originalmente pela CONTEE