O ex-ministro José Dirceu participou, no dia 9 de dezembro, de uma roda de conversa promovida pelo Sindipetro Unificado, na sede de Campinas, dentro das atividades do Núcleo dos Petroleiros. Antes de iniciar a palestra — cujo tema central foi “Eleição 2026: a importância de disputar o Congresso Nacional” — ele concedeu uma entrevista exclusiva ao jornalista Bruno Ribeiro, do Sinpro Campinas e Região.
O encontro ocorreu em um momento de intensificação do debate político no país e buscou ampliar a compreensão da categoria sobre os desafios e disputas que marcarão o processo eleitoral de 2026. A conversa com Dirceu aprofunda justamente essas questões, destacando o papel estratégico do Parlamento na definição de políticas públicas que impactam direitos sociais, soberania energética e o futuro das estatais.
A seguir, a íntegra da entrevista.
BR: Sabemos que as eleições ano que vem serão cruciais para que a gente possa consolidar a democracia ou aprofundar ainda mais os retrocessos da extrema-direita. Como convencer o eleitorado a votar no campo progressista?
JD: Primeiro é preciso dizer que o eleitor brasileiro votou cinco vezes no campo progressista em menos de 20 anos. Não é pouca coisa. É claro que estamos falando do voto para presidente. Eles ganharam uma, mas no tapetão, porque deram um golpe na presidente Dilma e usaram a justiça, a Lava-jato, para prender o presidente Lula em um processo político sumário, que depois foi anulado. Então, nesse sentido, temos uma base política e social forte no país – tanto pelo que realizamos quanto pelo que defendemos. Agora, apesar do conservadorismo dominante, o governo tem obtido algumas conquistas que poderão impactar na percepção do eleitor no ano que vem: a isenção do imposto de renda para quem ganha até cinco mil reais, a isenção da luz, o vale-gás, o pé-de-meia estudantil… Enfim, o país está crescendo, apesar da herança que recebemos do bolsonarismo. E está crescendo com renda e com emprego, procurando melhorar a educação com o ensino integral, com a escola técnica profissional, com os institutos federais… Então, o que vamos pedir para os cidadãos é que votem no presidente Lula para que essas conquistas não se percam – pois a direita é contra tudo isso –, mas principalmente para que votem em senadores e deputados do nosso campo. Essa será a nossa principal bandeira: mudar o Congresso Nacional. Até porque já tem um sentimento crescente no eleitorado de repulsa à PEC da blindagem, do orçamento secreto, dos desvios dessas emendas… Disputar o Congresso é decidir o futuro do Brasil.
BR: Então o senhor está otimista em relação ao avanço do campo progressista na Câmara e no Senado?
JD: Eu sou realista. Não será fácil. Mas há um estado de espírito favorável porque 80% dos brasileiros acham que a desigualdade é o principal problema do Brasil e mais de dois terços apoiam cobrar imposto dos ricos. Há uma tomada de consciência no país de que os ricos não pagam imposto e quem paga imposto no Brasil é a classe média e a classe trabalhadora. E de fato é isso o que acontece. O presidente Lula tem tentado mudar isso e acredito que as pessoas estão se dando conta. Além disso, outras lutas serão encampadas com força pelo governo em 2026: a discussão da tarifa zero no transporte público e o fim da escala 6×1, por exemplo, que terão impacto gigantesco na vida dos trabalhadores.
BR: E como comunicar isso de forma eficaz para a população? Porque ainda há muita gente que não associa estes avanços às medidas tomadas pelo governo Lula.
JD: Esse é um problema sério. Primeiro temos que ter a clareza de que existe um eleitorado conservador de direita que jamais convenceremos. Segundo é preciso lembrar que a direita ficou dez anos com o caminho livre, pois estávamos reprimidos e ela ocupou vários espaços institucionais – e também a mente de milhões de brasileiros. Então, não é fácil, mas precisamos lutar com as armas que temos. As redes sociais que estamos usando agora são o principal instrumento de comunicação do nosso tempo – e nós temos que estar presentes nela, sem dúvida. O problema é que nem sempre conseguimos alcançar todo mundo, pois as big techs controlam o fluxo de informação. Então é fundamental a presença nos territórios. Temos que colocar dez, vinte mil militantes visitando as casas de uma região, falando com as famílias, fazendo a luta social. Fazer política no corpo a corpo é obrigatório porque nós temos um projeto de país para apresentar às pessoas e elas precisam saber disso.
BR: Como o senhor acha que o campo da extrema-direita virá para a próxima eleição presidencial? Com Bolsonaro preso, quem deve assumir o protagonismo na oposição?
JD: Acho improvável que a extrema-direita chegue a uma unidade. Não é impossível, mas acho difícil. Uma opção seria lançar Tarcísio de Freitas como candidato e um vice indicado por Bolsonaro. O problema é que esse arranjo contaminaria a chapa do Tarcísio – e talvez ele perca apoios por isso. Outra hipótese é a direita sair com dois ou três candidatos: Tarcísio, Ratinho Jr. e Caiado. No momento, eles fizeram uma manobra oportunista de tentar capturar o problema da segurança pública e jogar no colo do governo federal. O problema é que são eles, governadores, os responsáveis pela segurança pública. Mesmo assim, o governo Lula apresentou a PEC da segurança pública, a lei antifacções, e liberou operações da Polícia Federal que estão atingindo o coração do crime organizado.
BR: A maioria das pessoas, no entanto, percebe mais a criminalidade cotidiana: o latrocínio, o roubo do celular, da moto parcelada… E a sensação é que a violência urbana está escalando. Como o governo deve se preparar para enfrentar esse debate em ano eleitoral?
JD: O governo vai ter que falar em reformar o sistema penitenciário, pois ali está o principal campo de recrutamento do crime organizado. A percepção de insegurança vem muito dessa dificuldade de desarticular o crime em nível nacional. Os pequenos crimes não estão desassociados do problema dos territórios ocupados. É uma realidade. Seja no Rio de Janeiro, em Roraima, em Salvador. O que fazer com isso? A experiência mostra que você tem que mesclar o combate e a retomada desses territórios com a presença do Estado. É claro que você precisa entrar com aparato policial pesado, não tem como combater o crime sem armas. Mas não adianta a polícia entrar e matar 50, 100, 200 bandidos e depois sair fora. Isso não resolve o problema. O Estado tem que ocupar os territórios com obras de infraestrutura, obras sociais, cultura, empreendedorismo, emprego, tudo. O governo tem que comprar essa briga, não tem jeito. O governo não pode deixar que esse debate continue sendo pautado pela direita. Defendo a criação de um Ministério da Segurança Pública, com orçamento próprio e contato direto com a Presidência da República.
BR: E como lidar com o fato de que alguns estados – e aqui me refiro especificamente a São Paulo e Rio de Janeiro, dois bastiões do bolsonarismo – utilizam a polícia com finalidade política, inclusive implementando o autoritarismo na educação de crianças e jovens por meio das escolas cívico-militares. O fato de uma parcela da sociedade ser favorável a esses modelos militarizados de escola não deveria servir como justificativa para que os estados pudessem implementá-las com tanta facilidade. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
JD: A questão da escola cívico-militar é um horror, pois a ideia de dar educação militar para crianças e jovens vai de encontro ao sentido original da escola. Militares são formados para matar e sobreviver em cenários de guerra. Eles não reflexionam, não dialogam, não buscam consenso. Militares são treinados para obedecer simplesmente. E temos visto vários casos de agressões nessas escolas militarizadas. Na verdade, os governadores colocam policiais aposentados para manter a disciplina dos alunos, mas eles são totalmente despreparados para lidar com jovens dentro do ambiente escolar. Eles querem implementar nas escolas a rigidez e a disciplina dos quarteis, mas isso tem tudo para dar errado. E vai dar errado porque, no quartel, um ato de indisciplina é punido com não sei quantas flexões, com castigos físicos, com alguns dias de prisão e coisas assim. No passado, a Marinha brasileira punia até com chibatadas. Então, não creio que a maioria da sociedade aprove o modelo de escola cívico-militar. É mais uma propaganda política que o bolsonarismo faz. No fundo, eles querem se apropriar das escolas e da cultura para fazer doutrinação política. Eles acusam a esquerda de fazer doutrinação em sala de aula, mas quem faz são eles. Nosso modelo de escola é laico, plural e democrático. Ninguém quer seu filho apanhando na cara de um adulto. Não creio que a escola cívico-militar é algo que vá prosperar.
BR: O Brasil – e de modo ainda mais acintoso a Venezuela – está tendo sua soberania ameaçada reiteradamente pelos Estados Unidos, em novas formas de imperialismo – que incluem guerra híbrida nas redes, taxações absurdas e até ameaças de invasão militar. Como isso deve interferir na conjuntura política em 2026 e como devemos nos preparar para este cenário?
JD: Quando a direita se alinhou com Donald Trump, perdeu muito apoio no país. Tarcísio de Freitas é um que saiu muito prejudicado dessa tentativa de sabotar a economia brasileira, ou seja, ainda existe patriotismo de verdade neste país. O problema é que nós, como nação, precisamos de um plano que repense e reorganize o Estado. Se você olhar para a Europa, vai ver que o Estado está assumindo as empresas estratégicas e a indústria, está investindo nas forças armadas e cedendo subsídios para manter a coesão social. Então, acho que precisamos também de um projeto de país que contemple os próximos 20 anos, porque há um risco real – e eu diria que muito grande – de uma interferência externa ainda pior que o Tarifaço. Porque o Tarifaço foi um pretexto de Trump. O objetivo era apoiar a extrema-direita por meio da figura de Bolsonaro, que representa o entreguismo. Um governante que defende a soberania do seu país é um empecilho aos negócios do imperialismo. Trump está indo para cima das televisões estatais da Europa, da comunicação estatal europeia, por exemplo. Ele quer se apoderar. Veja que se trata de uma luta mundial e nós temos que estar preocupados e preparados para o pior cenário. O impasse dos Estados Unidos com a Venezuela é um problema que poderá respingar no Brasil. Se houver uma invasão militar, ou um ataque aeronaval contra o país vizinho, seremos jogados diretamente no conflito, queiramos ou não.
BR: E o que devemos fazer para tentar evitar que esse cenário se concretize?
JD: Temos que ir às ruas com mais frequência. Mobilizar a população. No domingo passado, por exemplo, tivemos a manifestação das mulheres contra o aumento dos casos de feminicídio no Brasil. Esse tipo de movimentação repercute, acaba tendo efeitos e consequências políticas. Precisamos retomar as ruas de forma massiva e fazer o enfrentamento à extrema-direita e ao imperialismo no ano que vem. Disso depende, inclusive, a nossa sobrevivência, pois é fato que Bolsonaro tentou dar um golpe para implantar uma ditadura sangrenta no Brasil. O fato de ele ser uma figura patética, ridícula, que foi preso tentando abrir a tornozeleira eletrônica com uma solda, não o torna menos perigoso. A democracia brasileira dificilmente sobreviverá a um novo governo de extrema-direita.
Bruno Ribeiro, para o Sinpro Campinas / Foto: Vítor Peruch

