Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Nas sociedades democráticas, o sufrágio universal (processo de escolha) e o voto direto e secreto constituem-se nos principais instrumentos de que dispõem os/as cidadãos/ãs para decidir os destinos da nação. A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 14, conceitua-os como o modo de exercício da soberania popular.
No Brasil, o voto é obrigatório para os/as cidadãos/ãs maiores de 18 anos e facultativo aos que têm 16 e 17 anos, aos/às analfabetos/as e aos/as maiores de 70 anos (Art. 14, § 1º, da CF).
Assim, o não comparecimento às urnas (abstenção) para o exercício do sagrado direito do voto não é autorizado para as faixas etárias de 18 a 70 anos.
Colhe-se do § 2º do Art. 77 da CF que, de modo diverso, o voto nulo e o branco são permitidos, não sendo estes computados para nenhum efeito, exceto estatístico. Importa dizer: o número de votos brancos e nulos, por maior que seja, não é considerado para efeito de validade das eleições, bem como para a escolha dos eleitos/. Para esta, são contados apenas os votos dados à legenda (partido) e/ou ao/à candidato/a diretamente.
Segundo o Portal do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), do total de 156.454.011 eleitores/as aptos/as a votar, votaram 123.682.372 no primeiro turno, realizado ao dia 2 de outubro corrente. Abstiveram-se de votar 32.770.982; votaram nulo 3.487.874; e, votaram em branco 1.964.779.
Às vésperas do segundo turno, marcado para o dia 30 de outubro de 2022, considerável número de eleitores/as, que se antipatiza com os dois candidatos, despreza os projetos que cada um deles representa e se deixa levar pela antipatia, cravando abstenção, voto nulo ou branco.
Muitos dos que pensam assim, equivocadamente apregoam que, se o número de votos nulos e brancos for superior à metade do total de eleitores/as, as eleições serão invalidadas, o que é prontamente desautorizado pelo Art. 77, § 2º, da CF, acima referido. Mas, ainda que isso fosse possível, eventual novo turno eleitoral seria realizado tão somente com os dois por quem esses/as eleitores/as nutrem antipatia.
Parafraseando George Politzer, que criticava os filósofos que se preocupavam com a árvore e esqueciam-se do bosque que a circundava, tais eleitores/as, presos à antipatia pelos candidatos, não enxergam o que suas candidaturas podem representar para o bem e/ou para o mal do Brasil e seu povo.
Não é crível e muito menos aceitável que, em meio a encruzilhada tão gigantesca, um/a só que seja cidadão/ã possa ficar indiferente, posto que essa inimaginável indiferença em nada contribui para mudar os rumos do Brasil e trazê-lo de volta ao leito da paz, da tolerância, do respeito à diversidade, da educação formadora, da saúde que previne doenças e salva vidas, do trabalho decente, da previdência social inclusiva.
A indiferença, ao contrário, só interessa a quem quer preservar e aprofundar esse estado de coisas apocalíptico. Cada voto que não é dado pela mudança do Brasil, seja por abstenção, anulação ou ausência de escolha (branco), neste momento, reforça a possibilidade de reeleição do governo das trevas, pois que é menos um voto por sua defenestração.
Como sabiamente ensinava o saudoso grande estadista Mário Covas, não se vota em alguém; vota-se, isto sim, por alguém.
Desse modo, quem quiser resgatar o Brasil e devolvê-lo ao trilho da ordem democrática vota Lula, ainda que não tenha nenhuma simpatia pelo candidato. De modo diverso, quem quiser negação da ciência, ódio e intolerância, fome para dezenas de milhões, desemprego, precarização do trabalho, miséria, escola sem partido, que nega liberdade de aprender, ensinar e divulgar a ciência e o saber, vota Bolsonaro, cravando seu número na urna, ou por meio de abstenção, voto nulo ou voto branco.
Neutro ou indiferente ninguém ficará!
Em horas decisivas como a de agora, antes de se decidir por tentar enganar a própria consciência — que, mais cedo ou mais tarde, cobrará a fatura —, dizendo a si mesmo que é indiferente à contenda eleitoral e que não enxerga diferença entre os dois candidatos nem nos projetos que representam, é bom que se aconselhe com os emblemáticos versos do poema Intertexto, de Bertolt Brecht:
“INTERTEXTO
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo”.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee