São Paulo – O Brasil ainda vivia sob ditadura, mas alguma coisa começava a mudar. Em 1982, nas primeiras eleições para governador desde 1965, a oposição ganhou nas maiores unidades da federação. Mais que isso, em setembro do ano seguinte o Congresso rejeitou o Decreto-lei 2.024, de arrocho salarial. Era a primeira vez que o parlamento derrubava um decreto-lei do Executivo, acostumado, desde o golpe, a apenas ter chanceladas suas decisões. Os movimentos pela democracia ganhavam as ruas, com cada vez mais intensidade.
Assim, nesta segunda-feira (27) completam-se 40 anos do primeiro comício pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. O pontapé inicial do movimento conhecido como Diretas Já, que em 1984 tomaria conta do país.
Crise política e econômica
É verdade que esse marco inicial não foi tão forte como poderia. Na prática, embora o PMDB tenha comparecido com alguns de seus líderes, foi o PT que de fato se empenhou na organização desse comício, na praça Charles Miller, diante do estádio do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo, com estimadas 15 mil pessoas naquele domingo. O movimento começou a ganhar corpo, de fato, no ano seguinte. Logo em 25 de janeiro de 1984, a praça da Sé encheu para pedir “diretas já”. Pouco antes, no dia 12, o público foi em peso à manifestação organizada em Curitiba.
Embora tenham sido registradas manifestações anteriores, o comício do Pacaembu é considerado o primeiro passo. Com participação de PT, PMDB e PDT, da União Nacional dos Estudantes (UNE), da recém-criada CUT, de outras entidades sindicais e da Comissão Justiça e Paz, refletiu uma insatisfação crescente não só com a asfixia política, mas com a crise econômica que fazia crescer o desemprego, a inflação e a pobreza.
O “menestrel das Alagoas”
O 27 de novembro teve outro acontecimento que acabou se revelando simbólico. Naquela tarde, morreu o ex-senador alagoano Teotônio Vilela, que se tornaria um dos símbolos da campanha das diretas. Composta por Milton Nascimento e Fernando Brant, a música Menestrel das Alagoas foi um verdadeiro “hino” do movimento.
Em abril de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT), 31 anos, em sua primeira legislativa, apresentou proposta de emenda à Constituição propondo restabelecimento imediato das eleições diretas para próximo presidente da República. Despercebida no início, a emenda Dante de Oliveira, como ficou conhecida, acabou se tornando um catalisador da insatisfação social. Sua aprovação no Congresso passou a ser uma possibilidade real, atropelando os planos de “transição gradual” do governo do general-presidente João Figueiredo.
Comícios por todo o país pedindo eleições
Ainda antes do comício do Pacaembu, os governadores da oposição assinaram documento intitulado Fala, Brasil – A Nação Tem o Direito de Ser Ouvida. No texto, a eleição direta para presidente era apontada como caminho de superação da crise e reafirmação da soberania.
Com isso, 1984 foi o verdadeiro ano das Diretas Já. Foram realizados comícios gigantescos por todo o país. Além do comício da Sé, sempre são lembrados os do Anhangabaú, também em São Paulo, e da Candelária, no Rio de Janeiro. Ou o da praça Rio Branco, em Belo Horizonte. Mesmo em Macapá, a presença de 10 mil pessoas significa algo próximo de 10% da população. Surgiam comitês pró-Diretas por todos os lados. A bandeira tornou-se suprapartidária e ganhou corpo na sociedade.
No caminho do colégio eleitoral
O regime estava desgastado, mas ainda apostava nas indiretas – a “eleição” para presidente ocorria no chamado colégio eleitoral, entre os congressistas. Dois nomes disputavam a indicação do governo: Mário Andreazza e Paulo Maluf. A oposição pedia diretas, mas pelo menos uma parte se articulava para disputar, se necessário, os votos do colégio.
Foi o que aconteceu. Mesmo com toda a pressão, a emenda Dante de Oliveira não passou. Recebeu ampla maioria de votos na Câmara: 298, ante 65 contrários e três abstenções. Mas faltaram 22 para sua aprovação. E 113 parlamentares se omitiram e faltaram à sessão de 25 de abril de 1984. A frustração foi enorme. Em 15 de janeiro do ano seguinte, Tancredo Neves, então governador de Minas Gerais, recebeu 480 votos no colégio eleitoral, ante 180 de Maluf. Era eleita a chapa composta por Tancredo e José Sarney, vice, que havia rompido com o governo.
Mas o drama ainda teria desdobramentos: Tancredo foi internado na véspera da posse, marcada para 15 de março. Sarney assumiu, sob sobressaltos que envolveram até boatos de golpe. A história que se seguiu é conhecida: Tancredo morreu em 21 de abril de 1985 e Sarney ficou na Presidência da República até 15 de março de 1990. No final de 1989, o Brasil, enfim, voltaria a escolher seu presidente. Processo que não foi mais interrompido, na maior sequência democrática da história republicana. Os 15 mil do Pacaembu deram o primeiro passo.
Originalmente publicado em Rede Brasil Atual