Ele amava trens e tudo o relacionado com eles.
Fez o dever que era do poder público: cuidou e preservou objetos relacionados a trens um dia pertencentes às companhias ferroviárias. Todos deixados em ferros-velhos ou em terrenos baldios.
Como animais abandonados por uns e recolhidos por outros, ele também levou tais objetos para casa, restaurando e cuidando para um dia terem um destino mais nobre. Não conseguiu ver o feliz destino disso. Fez em sua própria casa um museu.
Quando recebia uma visita apresentava suas peças e explicava a origem e função de cada uma. Até móveis e portas da sua casa lembravam o interior de um trem e sua pequena varanda uma estação ferroviária.
Sonhava com uma longa viagem no Expresso do Oriente, nunca conseguiu realizar.
Sonhava também em conhecer a África, seus desertos, sua gente, sua cultura, mas tinha medo de avião, queria ir de trem. Esperava pelo dia da criação de uma volta ao mundo só de trem.
Dominava a arte de ensinar Geografia. Quem o conheceu aprendeu a ler os mapas e a desvendar a África. Numa época onde estudos sobre a história e cultura afro-brasileira e africana ainda não eram lei, ele já as ensinava. Ensinou a várias gerações o quanto a África é importante e contribuiu com o desenvolvimento de toda a humanidade.
Gostava de passar as lições na lousa e causava admiração pela sua memória, não copiava nada de livros ou fichas, era tudo de cabeça.
Não conseguia se adaptar às modernidades como o uso de bonés, celulares e música eletrônica, mas se relacionava bem com os jovens, embora nunca tivesse a dimensão do quanto era amado e admirado. Para ele, professor tinha que ensinar e pesquisar e não perder tempo fazendo trabalhos burocráticos, como corrigir provas, passar notas, fazer relatórios.
Essa subversão ao sistema era motivo de tensão com os burocratas da educação e de muita alegria e carinho por parte de seus alunos, que quando o encontravam, anos depois, relatavam ter aprendido a desenhar mapas com ele e a cor azul só é usada para indicar a presença de água.
Militante das causas sociais e trabalhistas, nunca deixou de participar dos movimentos em defesa da educação e de seus trabalhadores. Participou de todas as greves da categoria, tanto do Estado como as do Município.
Ficou conhecido nos movimentos grevistas pelo seu Kit Greve: uma sacola que ele carregava que continha materiais para realizar as ações do movimento. Dentro da sacola, um garfo para tocar um agogô, cordinha de varal e prendedores de roupa para fixar cartazes, papéis coloridos, caneta Pilot, apitos, caixa de fósforos e velas, caso fosse decretado o enterro simbólico do prefeito, ou do governador. Era esse o perigoso material desse militante.
Amava carnaval, rodas de samba, capoeira, jongo e o candomblé e também a cultura cigana. Tinha profundo respeito pelos orixás e por isso muitas vezes não foi compreendido.
Leitor assíduo do Jornal Correio Popular, mesmo discordando de seus posicionamentos, não deixou de lê-lo um único dia. Quando já não podia mais fazê-lo pedia que o deixassem no mesmo lugar de sempre, sabia estar ali seu companheiro diário.
Para ele não havia meio termo, ou era oito, ou oitenta. Revoltado, bruto e enlouquecido diante de uma injustiça. Doce, amável, gentil, carinhoso diante do bom e do belo e foi essa contradição que o tornou uma lenda.
Vegetariano, não se conformava com o consumo de carne.
Místico, supersticioso, gostava de velas, incensos, tarô, ervas, lua e tinha predileção pelo número 13.
E foi num dia 13, quando a lua cheia, totalmente visível, iluminava o céu deixando-o mais lindo, que o Prof. José Augusto Saponari fez a grande viagem. Na estação de seus sonhos ele tomou o trem que o levará para o encantado.
Não passou por aqui despercebido, deixou um legado de amor, aprendizado e respeito.
Prof. Saponari, meu grande amigo Saponari, nós te agradecemos pela rica vida que você compartilhou, pela sua generosidade, pela sua grandeza. Hoje sua amada Campinas, despertou mais triste ao vê-lo partir nesse último trem.

Rachel Bueno é professora

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