Antes de qualquer coisa, afirmemos logo de início que sim, a escola educa. Essa proposição vai de encontro a um discurso muito repetido, a de que “a escola ensina, quem deve educar é a família”, e de certa forma tornado verdade para muitos colegas, frente a casos de indisciplina, desânimo escolar, violência, ameaças a docentes e colegas de sala (não entremos na questão dos tenebrosos ataques criminosos que resultaram em mortos, assunto que merece discussão à parte). Pois bem: considerando a etimologia da palavra “educação”, do latim educare, “conduzir”, “trazer para fora”, o que dá ao vocábulo imenso território de exploração e atuação, e consideremos, para fins de apreender melhor a questão especificamente nesse texto, que educar, então, é preparar para algo, procurar conduzir o ser humano para o/um enfrentamento do mundo; ora, se assim concordarmos, então o educar se torna muitíssimo mais extenso e intenso do que poderíamos pensar num primeiro momento.
Mas será realmente assim?
Ao refletirmos sobre a educação como um largo conceito, então somos obrigados a admitir que a mão que o fogo queima é uma educação; as ruas educam, para o bem e/ou para o mal; o cinema educa (ou não sabemos que a maior parte da fantasiosa noção que temos dos Estados Unidos, por exemplo, é derivada de filmes?), a família, as religiões educam, bem como a experiência de vida, as leituras, os erros, os acertos. As artes educam, a TV procura fazê-lo (e amiúde, consegue), e em sendo assim, como poderíamos afirmar que a escola apenas ensina?
O que ocorre, dizemos nós, é uma lamentável confusão entre educação, tema larguíssimo, e boas maneiras, que não são senão parte de uma educação considerada civilizada pela maioria de nós. Embora as “regras de etiqueta” variem entre povos, etnias, nacionalidades e classes sociais, um conjunto de atitudes é reconhecido como essencial (comedimento, postura respeitosa, respeito à hierarquia, etc.) pela sociedade, mas como tais atitudes podem ser entrelaçadas a princípios como respeito mútuo, democracia, empatia, surge a dificuldade em apreender a diferença entre etiqueta social, variável conforme o grupo no qual cresce/se insere o indivíduo, e princípios humanos considerados universais.
Se assim for, então, sim, a escola educa! E não nos referimos ao currículo, nem às “disciplinas”, mas ao convívio cotidiano entre a comunidade escolar: entre docentes com seus pares, alunos e alunas com seus colegas, estudantes e seus mestres, Diretoria e classes, funcionários/funcionárias, um sempre-em-movimento tenso, que requer educações diárias para se manter minimamente sem conflitos e permitir o funcionamento da escola, espaço e território que se pretende controlado e purificado, mas não existe sem escapes, tensões, acordos mútuos, reviravoltas, contingências; qualquer espaço de aprendizagem é terreno acidentado, por mais que o imaginemos plano e pacífico…
Mais uma vez, se assim for, então nosso mister é ainda mais imenso, colegas professoras e professores: não só ensinar, mas educar, simplesmente porque não é possível apenas “ensinar”! Nossos gestos, atitudes, palavras, nossos conflitos, nossas relações com nossos pares, com nossos alunos e alunas podem, sim, educar (com que intensidade, talvez jamais saibamos), tornando falso o discurso de que “a educação vem da família”.
Esse fardo é de toda a sociedade, pois nos educamos uns aos outros, como já disse Paulo Freire; não o reneguemos, sendo tal negação, quer queiramos, quer não, um esforço de enganar a si mesmo!
À luta!
Alexsandro Sgobin é professor e diretor do Sinpro Campinas e Região