Espraiando-se muitas vezes como uma onda que a tudo envolve, doutras como se preenchesse vãos e reentrâncias do tecido sócio-político e econômico, a hidra neoliberal a tudo ambiciona – exceto, obviamente, aquilo que lhe tolhe os movimentos ou lhe faz a crítica acerba. A onda veio com a reforma trabalhista de 2016 sob Michel Temer, em movimentos gestados com mais força desde as Jornadas de 2013 (que por pouco não nos custaram a democracia), sendo impostas com muito mais agressividade no período Bolsonaro.
Direitos foram questionados, conquistas históricas foram chamadas anacrônicas, toda uma luta envolvendo décadas de suor e sangue de trabalhadoras e trabalhadores ganharam o status de “empecilhos” ao emprego, entraves do progresso; apertando a mão do patrão enquanto com a outra afastava o empregado, tais governos alinhados com o ideal do Estado mínimo e da maximização do lucro aliada à concentração ainda mais selvagem de capital chegaram, inclusive, ao desmonte do Ministério do Trabalho em 2018 pelo então ministro Onix Lorenzoni, após 88 anos de existência desse Ministério. Uma pergunta básica que ocorreria ao trabalhador com consciência ativa: e quem defenderá a regulamentação do trabalho em instâncias superiores? Quem, na verdade, defenderá os interesses das trabalhadoras e trabalhadores?
À segunda pergunta, rapidamente diríamos: os sindicatos de luta! E ora, por isso mesmo, correu-se a provocar o desmonte do sindicalismo, procurando privar as classes trabalhadoras de qualquer ente que pudesse lhe garantir os direitos, orientar, informar; no lugar de instituições históricas e preparadas para essa defesa, viria a lógica de mercado (justíssima e correta, na opinião dos alunos da Escola de Chicago…), reduzindo postos, exterminando cargos, colocando empregado e patrão frente a frente para “negociarem sem terceiros causando celeumas”, acabando com a Carteira de Trabalho e enterrando em cova funda a CLT.
Com que intuito?
Pasmem: aumentar o número de empregos. Mas se o emprego, como o conhecemos, teria o destino de desaparecer com tais reformas, cedendo lugar ao contrato de trabalho, uma simples reflexão nos levaria a encarar a verdade amarga por trás dos açucarados discursos e promessas: aumentar as cargas de trabalho e não os empregos, obviamente sem dividir a renda e o lucro havido com isso. O emprego com direitos seria uma criação fossilizada, que causa empecilhos ao patrão e se pretendia moribunda pelo bem do progresso. Logo, sob a luz aurífera do livre mercado, trabalhador e patrão chegariam sem grandes problemas a bons acordos, amparados pela justiça do capitalismo financeiro; sim, pessoas são excluídas aos milhões do mercado de trabalho, mas se trata de um “desvio” do sistema, a ser consertado pela próprio mercado – que por essência promove furiosamente essa exclusão.
Como?!
Ora, tudo se conecta a uma tendência: “flexibilização” do mercado de trabalho, mas que essa flexibilização esteja, de forma pouco clara, por obséquio, a favor do patrão. Contratações? Rápidas e com quase garantia alguma de benesses ou direitos; a estabilidade dependerá em algum grau da competência do contratado, e em muito maior grau dos humores do “mercado” (que se reúne na sala acima de onde esfalfa-se o empregado); férias longas afetam a produtividade, condene-se as férias, basta delas! Horas a mais, muito mais horas de trabalho, em prol da empresa e do crescimento econômico! O pleno emprego não foi alcançado por uma razão, uma lamentável razão: há direitos demais para o trabalhador, diz o patrão, os olhos fixos nas cifras que se agitam à simples menção de “flexibilizar as contratações”…
..continua.
Alexsandro Sgobin, professor e diretor de educação do Sinpro Campinas e Região