A catástrofe que atinge o Rio Grande do Sul reavivou o debate sobre a regulação das redes sociais, que já mostrou ser central para a vida em sociedade e para a democracia. Se as eleições presidenciais de 2018 e 2022, a tentativa de golpe de 2023 e, em especial, a pandemia de Covid-19 mostraram a face mais cruel do mau uso das plataformas, o desastre enfrentado pelos gaúchos reafirmou que não há limites para quem usa a mentira e a manipulação, em escala industrial, como armas de poder político e instrumentos de lucro certo e fácil.

Ao longo das últimas semanas, desde que o território gaúcho se viu tomado pela chuva, com a maior parte de seus municípios afetada, milhares de desalojados e desabrigados e um número de mortos que não para de subir, informações falsas ou distorcidas começaram a pipocar nos grupos de Whats e nas principais redes sociais, como Facebook, Instagram, Twitter, TikTok e Youtube.

Em comum, acusações sórdidas e levianas, como as de que a população só podia contar consigo mesma e com o empresariado para se salvar; que o poder público não só não estaria fazendo nada, como ainda estaria atrapalhando quem fazia — incluídas aí as Forças Armadas —, que haveria ondas de violência e corpos às centenas boiando etc.

A mentira como arma

Pesquisa Quaest, feita com 2.045 pessoas e divulgada no dia 12 de maio, mostrou que 31% dos entrevistados disseram ter recebido alguma fake news relacionada à tragédia do RS. Destes, 35% as receberam em grupos de WhatsApp; 24% de amigos e 11% de políticos.

Os dados reforçam que são muitos os elementos que fazem com que uma notícia falsa circule com sucesso. Entre eles estão a assertividade e o alarmismo da linguagem, que dão um senso de urgência, mexendo com o medo e a ansiedade das pessoas, principalmente as já fragilizadas.

Outro elemento central, usado para garantir credibilidade, é a manipulação de imagens verdadeiras ou a criação de outras supostamente reais, como ocorre quando são utilizados fotos ou vídeos de fatos que ocorreram em outros lugares e momentos ou que foram gerados por inteligência artificial.

Também é importante para o êxito da empreitada quem compartilha ou repassa a mensagem. Afinal, receber de alguém de confiança ou ver aquela “notícia” no feed de alguma figura pública tida como séria faz toda a diferença.

Soma-se a isso o mecanismo de formação de bolhas das redes, que faz com que cada pessoa receba aquilo que é convergente com sua visão de mundo ou ideologia.

Cabe destacar que para além de quem faz e quem recebe, há o papel fundamental desempenhado pelas big techs, empresas bilionárias que se utilizam desses instrumentos para lucrar de maneira pornográfica, seja com causas justas, informações verídicas e o comércio regular, seja com o esgoto das fake news.

Esse cenário mostra, mais uma vez, que criar regras e responsabilidades para as big techs, bem como formas de estancar a produção e disseminação de mentiras em larga escala, são tarefas fundamentais para qualquer país.

Antídoto

No Brasil, o debate sobre a regulação das redes vem acontecendo há anos, especialmente no processo em torno da construção do projeto de lei 2630, que ficou conhecido como PL das Fake News.

A proposta, relatada pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), vinha evoluindo com amplo debate junto a diferentes segmentos sociais e tramitava na Câmara, mas sofreu uma forte ofensiva das empresas de tecnologia e de parlamentares de extrema-direita quando estava pronta para ir a votação em maio de 2023.

Desde então, ficou parada na Casa até que mais recentemente — em meio às discussões em torno dos ataques de Elon Musk, dono do X, a autoridades e instituições brasileiras — recebeu o “tiro de misericórdia” do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que decidiu começar do zero a construção de uma matéria sobre o tema.

Diante de tudo isso, e em meio ao vale-tudo das redes, cabem muitos questionamentos aos diretamente envolvidos no tema. Quantas milhares de pessoas se deixaram levar pelo discurso de que a Covid-19 não passava de uma “gripezinha”, que era preciso deixar de “mimimi”, voltar ao trabalho e manter a economia funcionando ou que a vacina teria efeitos colaterais, como pregava o ex-presidente e seus seguidores nas redes?

Quantas dessas ficaram doentes e quantas perderam a vida? Quantas, até hoje, deixam de vacinar seus filhos, num país que já foi referência mundial em imunização, por conta dessas mentiras? Quantos adolescentes e jovens já morreram ou mataram estimulados pelo ódio e a banalização da violência nas redes? Quantas meninas e mulheres, quantas pessoas LGBTs, quantos negros foram atacados por discursos misóginos, homofóbicos e racistas? oE quantas pessoas, em meio ao desespero de tragédias como as enchentes no RS, se sentiram abandonas por serem induzidas a acreditar que nada estava sendo feito pelo poder pública? Quantas foram desencorajadas a ajudar? E uma última pergunta: afinal, quantas tragédias terão ainda de acontecer até que o Brasil regule as redes?

Priscila Lobregatte, para o Vermelho

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