
Um período de incertezas em relação ao futuro da democracia é o que inaugurou ontem (20), a julgar por seu discurso de posse, o presidente eleito à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump. Longe de significar uma ameaça apenas à democracia de seu próprio país, o bilionário promete desestabilizar estados nacionais dependentes da economia americana, acirrar o confronto com o BRICS e financiar a extrema-direita em escala planetária.
Internamente, Trump deverá converter os Estados Unidos em um regime “autoritário-competitivo”, no qual as eleições seguirão existindo, mas sem que as regras do jogo sejam cumpridas. E isso terá impacto direto nas disputas eleitorais da Europa e da América Latina, com a ascensão e/ou fortalecimento de candidaturas extremistas. Tal previsão é corroborada por cientistas políticos como Steven Levitsky, professor da Universidade de Harvard.
Donald Trump retorna à presidência muito mais forte do que esteve em 2016, podendo contar com maioria absoluta no Senado, na Câmara e na Suprema Corte, além do suporte irrestrito das megaempresas de tecnologia e comunicação, cujos proprietários, como Elon Musk e Mark Zuckerberg, colocaram abertamente suas redes sociais à disposição do projeto da extrema-direita.
O cenário político que se avizinha é preocupante. Principalmente porque haverá resistência, tanto interna quanto externa, a este projeto autoritário de poder – o que levará Trump a radicalizar medidas já postas em prática em seu primeiro mandato: o aparelhamento do Estado com a finalidade de perseguir opositores e coagir funcionários, vigiar e censurar jornalistas, violar direitos civis e insuflar a divisão social por meio de fake news e do uso da violência política como estratégia para consolidar seu domínio.
Trump se elegeu com uma das campanhas mais autoritárias da história recente. Conforme lembrou Levitsky, nem mesmo o presidente nazifascista da Hungria, Viktor Orbán, prometeu algo semelhante, como a deportação em massa de imigrantes e a perseguição institucional à comunidade LGBTQIA+, com a retirada de direitos efetuada logo em seus primeiros atos após a posse.
O que nós, brasileiros, podemos esperar da relação com os Estados Unidos nos próximos anos? A depender do Brasil, nada indica que haverá tensões ou conflitos, dada a nossa tradição diplomática e a recente declaração do presidente Lula, que afirmou não ver “ameaça” na vitória de Trump. Nada indica, porém, que a recíproca será verdadeira: ontem, em entrevista, Trump declarou que “a relação com o Brasil é ótima, mas ele é quem precisa de nós; nós não precisamos dele”.
Tal declaração, aparentemente inofensiva, veio acompanhada de uma promessa que terá impactos reais não só ao Brasil, mas aos países que buscam formar mecanismos de cooperação econômica visando o desenvolvimento de mercados emergentes: “Vamos taxar 100% o BRICS, caso os países continuem com a ideia de criar uma moeda própria”, disse.
Apesar da ameaça real que se impõe ao mundo pela volta de Trump ao poder, os Estados Unidos enfrentam a sua pior crise. O slogan da campanha trumpista, “Make America great again (Fazer a América grande novamente)”, reflete a perda da hegemonia americana na economia global e a dificuldade, cada vez maior, de o país impor ao mundo seus interesses.
A pobreza e o desemprego crescentes nos Estados Unidos têm empurrado a população para o colo de quem apresenta soluções simplistas e radicais à falta de perspectivas – e Trump fará de tudo, com o apoio ilimitado para seguir convencendo as massas de que os inimigos do “modo de vida americano” são as “minorias e seus privilégios”, os “imigrantes ilegais” ou a “China socialista e suas alianças”, quando, na verdade, o real responsável pela crise é o esgotamento do próprio neoliberalismo.
Mas não tenhamos ilusão: o colapso do neoliberalismo não significa o fim do imperialismo norte-americano. Pelo contrário: a tendência é que ele se torne ainda mais violento e destrutivo. Veremos uma conjuntura mundial ainda mais instável e perigosa nesta segunda metade da década, cujas contradições ficarão ainda mais evidentes sob a ditadura tecnológica das big techs, empresas privadas que comandam os algoritmos e estão pautando a ideologia e o comportamento de milhões de pessoas.
Dentro dos Estados Unidos, as restrições à imigração e o aumento da taxação a produtos importados deverão elevar o custo da força de trabalho e acelerar o processo inflacionário. Protestos da população serão severamente reprimidos, conforme já anunciado.
Na política externa, Trump irá retirar o apoio ao Acordo de Paris e à Organização Mundial da Saúde (OMS), como forma de impor sua versão negacionista sobre questões climáticas. A relação com a Europa e a América Latina deverá piorar consideravelmente, uma vez que Trump não esconde que os Estados Unidos apoiarão grupos neofascistas e não pouparão esforços para que cheguem ao poder, ainda que pelo uso da força. Nações como México, Cuba, Venezuela e Brasil deverão ser alvos prioritários de sabotagem política e econômica.
O segundo mandato de Donald Trump, portanto, exige do campo progressista e democrático atenção máxima e mobilização permanente, pois a história mostra que o capital financeiro, em períodos de crise, busca implantar ditaduras com o apoio dos setores mais reacionários da sociedade. Os países verdadeiramente democráticos não podem fraquejar na construção coletiva de um pacto global que fortaleça a soberania e a liberdade dos povos.
Nós, professores e cidadãos, temos o dever de conscientizar a população e ajudá-la a atravessar o rio de águas revoltas da história.