“Você diz que me dá casa e comida
Boa vida e dinheiro prá gastar
O que é que há, minha gente o que é que há
Tanta bondade que me faz desconfiar
Laranja madura na beira da estrada
Tá bichada Zé ou tem marimbondo no pé

Santo que vê muita esmola na sua sacola
Desconfia e não faz milagres não
Gosto de Maria Rosa mas quem me dá prosa é Rosa Maria
Vejam só que confusão

Laranja madura na beira da estrada
Tá bichada Zé ou tem marimbondo no pé”- Ataulfo Alves, Laranja madura.

Na semana que se iniciou ao 1º de junho, a Folha de São Paulo e outros jornais deram destaque à seguinte manchete: “Gilmar Mendes articula ofensiva para volta da homologação de rescisão trabalhista em sindicato”.

Todos os que acompanham os impiedosos votos do ministro Gilmar Mendes, proferidos em apoio às normas que reduzem ou sucateiam os principais direitos trabalhistas, que se contam às dezenas e recebem aval da maioria dos demais ministros do STF, ao se deparar com essa estranha manchete, com que a parafrasear os versos da epígrafe, logo se perguntaram: qual será o custo dessa referenciada ofensiva? O que se pretende com tal volta? Vindo do ministro Gilmar Mendes, boa coisa, com certeza, não será.

Os próprios jornais que divulgaram a comentada notícia, cuidaram de indicar qual é o principal motivo de tamanha mesura: o combate ao crescente aumento de reclamações judiciais trabalhistas, sobretudo nos anos de 2023 e 2024, que chega à casa de milhões.

Pois bem! Revelado o motivo principal para tal inusitada ofensiva, outra pergunta se fez imperiosa: quanto custará aos sindicatos e aos trabalhadores esse combate?

As respostas a essas necessárias e funestas indagações vieram a lume, sem demora, com o protocolo na Câmara Federal do projeto de lei (PL) 2690, protocolado aos 2 de junho corrente, e assinado pelo deputado federal Paulino da Força, confirmando tudo o que se receava que pudesse trazer de nefasto, como se constata pela simples leitura do seu Art. 1º:

“Art. 1º Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho) para resgatar a assistência do sindicato nas rescisões do contrato de emprego, com a possibilidade de conferir quitação às parcelas não ressalvadas do contrato de emprego, inclusive nas conciliações firmadas perante Comissão de Conciliação Prévia”.

Aliás, dúvida alguma remanesce, para quem vê além dos olhos do corpo, parafraseando o escritor inglês Charles Dickens, após a simples leitura da “JUSTIFICATIVA” desse PL, assim exarada:

“O projeto de lei altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para resgatar a assistência do sindicato nas rescisões do contrato de emprego, prevendo a possibilidade de conferir quitação às parcelas não ressalvadas do contrato de emprego, inclusive nas conciliações firmadas perante Comissão de Conciliação Prévia, se as condições estiverem previstas em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Diante do cenário apresentado pelos indicadores e dados estatísticos do ano de 2024 da Justiça do Trabalho, constantes do site do Tribunal Superior do Trabalho , que esclarece que: (i) as Varas do Trabalho, na fase de conhecimento, receberam 2.117.545 processos, indicando um aumento de 11,6% em relação ao ano de 2023; (ii) só a 1ª instância ainda conta com 1.002.601 processos pendentes de solução, sendo que 47,5% desses aguardavam a 1ª sessão de audiência; (iii) os Tribunais Regionais do Trabalho receberam 1.378.699 processos, enquanto o Tribunal Superior do Trabalho recebeu 571.189 processos (originários ou que subiram em grau de recurso dos TRTs (99,7%), indicando aumento de 25,2% em relação ao ano de 2023); (iv) o tempo médio entre o ajuizamento da ação e a prolação da sentença é de 196 dias; (v) o tempo médio entre o ajuizamento da ação e a extinção da execução é, em média, de 5.006 dias; (vi) 804.273 conciliações foram homologadas na 1ª instância, conforme série histórica; e (vii) nas Varas do Trabalho, os assuntos mais recorrentes nos processos foram: horas extras, verbas rescisórias, adicional de insalubridade e multa de 40% do FGTS.

Resta evidenciada alta litigiosidade, que acarreta custos ao Poder Judiciário, morosidade na entrega da prestação jurisdicional, somado aos impactos negativos à sociedade como um todo, especialmente econômico e na geração de empregos.

A respeito do tema, veículos de impressa indicam um número crescente e recorde de ações trabalhistas desde a Reforma Trabalhista de 2017², que tinha como uma das expectativas, a então não superada, redução da litigiosidade.

Considerando este panorama é que se propõe a alteração legislativa, que visa a redução do elevado índice de judicialização, além de enaltecer e resgatar a importante assistência do sindicato aos empregados como uma ferramenta de preservação de direitos, fazendo valer, inclusive, sua contribuição para a sociedade como um todo. Importante ressaltar que a atuação, poder e representatividade das agremiações e entidades sindicais já foi matéria de debate na Suprema Corte Brasileira.

Na oportunidade do julgamento do Tema 1.046, o STF firmou tese, em resumo, chancelando a prevalência das normas convencionadas com tais entidades sob a legislação.

Some-se a tais argumentos, que a autonomia negocial das entidades sindicais, constitucionalmente assegurada nos artigos 7º, XXVI, e 8º, III, e pela Convenção 154 da OIT, à qual o Brasil é signatário, garante a equivalência do poder negocial das partes, empregados e empregador, esses primeiros substituídos pela figura do sindicato. Tratando, ainda, da importância dos sindicatos, não apenas no que tange às negociações, mas com relação à garantida, respeito e efetividade dos direitos dos trabalhadores, destaca-se outro papel relevante: o desempenho por meio da fiscalização do cumprimento e salvaguarda de tais direitos.

Dada a relevância dos sindicatos, considerando a sua contribuição à sociedade como um todo, com participação ativa no desenvolvimento e na criação dos meios alternativos de soluções de conflitos, focado na “desjudicialização”, sem obstruir o acesso à justiça, apresenta-se a presente proposta de modernização da CLT, em linha com o entendimento do C. STF, no Tema 152, com repercussão geral (RE 590.415-RG/SC, Relator o Ministro Roberto Barroso, Plenário, DJe 29.5.2015).

Tal proposta relaciona-se ao que já é uma realidade em diversos segmentos, tanto com relação às atribuições dos sindicatos quanto no que diz respeito à defesa dos direitos dos trabalhadores. Leia-se, mecanismos que impactam na “desjudicialização”, que se valem das comissões de conciliações prévias para dirimir questões relacionadas ao contrato de emprego, inclusive pós rescisão contratual.

A proposta, por fim, além de enaltecer as atribuições das agremiações e sindicatos, reforça a segurança jurídica das práticas acima mencionadas, resguardando os direitos das partes envolvidas e impactando positivamente na “desjudicialização”. Desse modo, pedimos aos pares o apoio para sua aprovação. Sala das Sessões, em de de 2025 Deputado Federal PAULINHO DA FORÇA Solidariedade/SP

O fatídico PL, dentre outras pérolas, visa a acrescer ao Art. 477, da CLT, os §§ de 11 a 19, sendo que cada um deles representa uma bomba com grande potencial de letalidade contra os direitos trabalhistas sonegados; deixando envergonhada a (de) reforma trabalhista de 2017.º, do

O §§ 11 autoriza a inclusão, em convenções e acordos coletivos, de obrigatoriedade de homologação sindical (sindicatos, federações e confederações) das rescisões contratuais, condicionada à previsão de procedimentos para a ampla e irrestrita quitação do contrato de trabalho. O que nem a Lei N. 13467/2017 ousou fazer.

Esse §, além de não garantir a volta do § 1º, do Art. 477, da CLT, que exigia a assistência sindical nas rescisões de contrato com mais de um ano de duração, como induz a manchete acima comentada; se aprovado e convertido em lei cria embaraço para os instrumentos normativos coletivos que mantém tal exigência, mas sem a possibilidade de quitação irrevogável para as obrigações do contrato, que, por ele, se torna condicionante intransponível.

Importa dizer: representa colossal retrocesso; que, metaforicamente falando, caracteriza-se como roleta russa, não com a penas uma, como o é esse jogo suicida, mas com cinco, pelo menos. Bastando, para tanto, que os sindicatos assistentes (homologadores) não oponham nenhuma ressalva ao termo de rescisão. Equivale dizer: se o homologador, por descuido real ou proposital não opuser ressalva circunstanciada no termo de rescisão de contrato e o trabalhador perceber 2 (dois) ou mais salários-mínimos mensais, pronto, aplica-se a famosa metáfora portuguesa “Inês é morta). Ou seja, a extinção do contrato é fatal (irreversível), nada mais podendo ser reclamado pelo trabalhador prejudicado, conforme § 17 do PL.

A ressalva exigida, para a preservação do direito de reclamar administrativa ou judicialmente aquilo que não foi observado ao longo do contrato de trabalho nem foi quitado no termo de sua rescisão, a bem da verdade, soa como deboche- claro, para esconder seus vis propósitos-, por exigir dos sindicatos que” § 13 As ressalvas mencionadas no § 12 deverão ser justificadas, com a exposição dos fatos, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, indicando, ainda, a data e a assinatura do empregado e do representante do sindicato que lhe assistiu”.

Frise-se que essas ressalvas, a serem rigorosamente observadas no termo de rescisão de contrato, sob de serem tidas como inválidas, a rigor, são mais severas do que Art. 840, § 1º, da CLT- com redação dada pela Lei N.13467/2017, para petição inicial de reclamação trabalhista. Quem tiver dúvida sobre a justeza dessa assertiva, basta que faça o cotejo entre o que exige o PL, § 13º, e o que exige a lei.

Eis o que prescreve esse dispositivo: “Art. 840… § 1º – Sendo escrita, a reclamação, deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante”.

Em sã consciência e propósitos não escusos, quem acredita que o homologador sindical, no ato da homologação (assistência) na rescisão de contrato, nada conhecendo do histórico do vínculo emprego que naquele momento se rescinde, terá condições mínimas para opor, ainda que superficialmente, descabidas e condicionantes ressalvas determinadas pelo PL sob questão? Por certo, nenhum. Isso é de colossal desfaçatez.

Como último cálice de letal veneno, o PL em questão, em flagrante e injustificada oposição à jurisprudência do STF, firmada no julgamento das ADIs 2139,2160 e 2237, concluído em 2018, portanto, após a reforma trabalhista, confere eficácia liberatória geral, com extinção das obrigações do contrato, à quitação firmada perante comissão de conciliação prévia, nos seguintes termos:

“Art. 625-E.

……

2º Havendo expressa previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, o termo lavrado perante a Comissão ensejará quitação ampla e irrestrita do contrato de emprego.”
Eis o que diz o item 4, da Ementa do Acórdão proferido na ADI 2237:

“4. A interpretação sistemática das normas controvertidas nesta sede de controle abstrato conduz à compreensão de que a ‘eficácia liberatória geral’, prevista na regra do parágrafo único do art. 625-E da CLT, diz respeito aos valores discutidos em eventual procedimento conciliatório, não se transmudando em quitação geral e indiscriminada de verbas trabalhistas.

Em seu voto, fundamentando o item 4 da Ementa do Acórdão, retro transcrito, a relatora, ministra Carmem Lúcia, cita Sérgio Pinto Martins, hoje, ministro do TST, e que nunca foi, por assim dizer, magistrada garantista:

“No mesmo sentido, leciona Sergio Pinto Martins: ‘O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas (parágrafo único do art. 625-E da CLT).

A eficácia liberatória geral só pode dizer respeito ao que foi pago e não ao contrato de trabalho, salvo se assim for descrito no termo.

Prevê o art. 320 do Código Civil que a quitação designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor ou de seu representante.

Não haverá eficácia liberatória daquilo que não foi pago. Assim, a quitação compreende apenas as parcelas e os valores pagos e não os títulos. Se não houve o pagamento integral, o empregado poderá reclamar eventuais diferenças ou até mesmo verbas que não foram pagas e que, portanto, não foram quitadas ” (MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1149).

O despudorado crime que se quer perpetrar contra os direitos trabalhistas, por meio do comentado PL, tendo os sindicatos como aríete, tem como único objetivo atribuir aos sindicatos o papel de cemitério de direitos, como bem anotou o respeitável e respeitado advogado trabalhista Luís Carlos Moro.

Insta patentear que o único propósito e de avassaladora letalidade contra os direitos trabalhistas, que se pode colher do PL sob comentários, é exatamente esse antevisto por Luís Carlos Moro; a não ser por escancarada má-fé ou por alguma inteligência arrebatada pelo capital e seus agentes, impiedosos inimigos dos valores sociais do trabalho, não é possível nele vislumbrar outro; efetivamente, só há um propósito, que é vil e que busca concretizar aquilo que a (de)reforma trabalhista conseguiu fazer com eficiência, por meio de seus diversos tentáculos, tais como o fim da assistência sindical nas rescisões de contrato, com a revogação do § 1º, do Art. 477, da CLT; quitação anual de direito, primeira tentativa de fazer dos sindicatos cemitério de direitos (Art. 507-B); e a homologação judiciária de “acordo” extrajudicial de quitação de direitos, pela chamada jurisdição voluntária – quando não há litígio-, prevista nos Arts. 855-B a 855-E, da CLT; ungida pela Resolução N. 586/2-24 do CNJ como a panaceia dos males da decantada grande litigiosidade trabalhista.

Eis, pois, o mais recente desafio ao movimento sindical laboral: enterrar esse PL, em cova definitiva, antes que seja transformado em lei; mais apropriado dizer, é transformado em arma letal contra os direitos trabalhistas, tendo os sindicatos como carrascos.

Confira aqui o conteúdo integral do PL 2690/2025 que ameaça os direitos trabalhistas.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee e do Sinpro Campinas e Região

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