“Quem tem boca vaia Roma”

Esse antigo provérbio da epígrafe, tem a parte final de seu dizer e o significado controvertidos; para uns, deve ser grafado como transcrito, para outros, vai a Roma.

Para o contexto em que é aqui usado, sem tomar partido sobre com quem está a razão, interessa a primeira versão, para afirmar e reafirmar que quem, ao menos se deu ao trabalho de ouvir e escutar a palavra do imortal Papa Francisco sobre a relevância e o papel social dos sindicatos, em encontro com sindicalistas, em 2017- “Os sindicatos nascem e renascem todas as vezes que, como os profetas bíblicos, dão voz a quem não a tem, denunciam os poderosos que pisam nos direitos dos trabalhadores mais frágeis e defendem a causa dos estrangeiros, dos últimos e dos rejeitados”-, tem sobejos motivos para vaiar, com vigor, o Congresso Nacional, em especial nas três últimas legislaturas, por ele estar sempre de costas e surdo aos direitos fundamentais sociais, dentre os quais se inserem os sindicatos (Art. 7º, VI, XIII e XXVI e 8º, III e VI, da CF).

A esses inúmeros motivos, é de se somar, com igual desprezo, a decisão da Câmara Federal, tomada na sessão do dia 10 de junho corrente, ao votar o projeto de lei (PL) 1663/2023, aprovando emenda de plenário, por 318 a 116 votos, que dá certeiro passo rumo ao fim de contribuições de natureza sindical, que acresce oito §§ ao Art. 579 da CLT, com o seguinte propositalmente truncado teor:

“Art. 579. …………………………………………………………………………………………………………… § 1º Fica facultado aos trabalhadores o envio, por meio digital, do pedido de cancelamento do pagamento da contribuição sindical, a qual é voluntária conforme estabelecido pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017.

2º O pedido de cancelamento da contribuição sindical poderá ser realizado por meio das seguintes plataformas digitais:
I – Portais ou aplicativos oficiais do Governo Federal, como o “gov.br”;

II – Plataformas digitais oferecidas pelos sindicatos, desde que atendam aos critérios de segurança da informação estabelecidos por regulamentação própria;

III – Aplicativos de empresas privadas autorizadas, que ofereçam serviços de autenticação digital segura, nos termos da legislação vigente; e

IV – Encaminhamento de e-mail para o sindicato comunicando o pedido de cancelamento da contribuição sindical

3º Para o pedido de cancelamento, o trabalhador deverá autenticar sua identidade digitalmente, utilizando os seguintes meios:
I – Certificação digital emitida nos moldes da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil);

II – Identificação por meio da plataforma ‘gov.br’ ou outras plataformas públicas equivalentes;

III – Outros meios de autenticação digital, como assinaturas eletrônicas, reconhecidas conforme legislação específica;

IV – Assinatura física, desde que esteja em consonância com o Documento de Identificação Civil.

Nestes casos, o pedido de cancelamento deverá ser entregue em conjunto com cópia do Documento de Identificação Civil para análise da autenticação da assinatura.
4º Os sindicatos deverão:
I – Disponibilizar aos trabalhadores o cancelamento digital do imposto sindical em suas plataformas, garantindo a acessibilidade, transparência e segurança;

II – Oferecer atendimento para esclarecer dúvidas sobre o cancelamento da contribuição sindical, de forma física e digital;

III – Manter registro dos pedidos de cancelamento recebidos, seja por meio digital ou físico, pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos.

5º Após o recebimento do pedido de cancelamento, o sindicato deverá processar e confirmar, por meio eletrônico, o cancelamento no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, enviando ao trabalhador uma confirmação de processamento.
6º O trabalhador poderá, a qualquer momento, solicitar o cancelamento da autorização para desconto da contribuição sindical, independentemente do meio utilizado para a solicitação inicial da autorização.
7º A ausência de resposta ao pedido de cancelamento no prazo estipulado no Art. 5º implicará o cancelamento automático da autorização para o desconto da contribuição sindical.”
8º O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 90 (noventa) dias, estabelecendo as normas técnicas de segurança digital e proteção de dados a serem observadas pelas plataformas de envio dos pedidos de cancelamento”.
Em que pesem a falta de boa-técnica redacional e a confusão conceitual sobre contribuição sindical, que atravessam a referenciada emenda, de uma ponta à outra, salta aos olhos o que se pretende com ela: inviabilizar financeiramente, de vez e para sempre, as atividades sindicais; pois, como diz outro velho provérbio, para quem sabe ler, um pingo é letra.

Conhecendo o costumeiro desprezo que a maioria dos congressistas nutre pelos sindicatos laborais, não remanesce dúvida alguma sobre o mau propósito da realçada alteração ao Art. 579 da CLT. Parece não restar dúvida de que a destruição sindical é para eles questão de honra; e, em contrapartida, de desonra para os valores sociais do trabalho, quarto fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, IV, da CF); posto que o almejado fim dos sindicatos laborais, terá como corolário o fim dos direitos trabalhistas, que é o paraíso sonhado pelo capital e por seus capatazes, que, tal como erva daninha, estão em toda parte.

A votação nominal, pela aprovação dessa famigerada emenda, não deixa dúvida quanto ao que se pretende alcançar com sua conversão em lei. Na base democrática, apenas o PT, o PCdoB, PSOL e o PV votaram coletivamente, sem nenhuma defecção; o PSB teve 6 votos favoráveis; o PDT, 5 favoráveis.

Na base dos inimigos do mundo do trabalho, pelo PSDB, PP e PRD, todos votaram sim à aprovação da emenda; pelo Solidariedade, 3 votaram não; pelo PSD, 4 votaram não; pelo Podemos, 2 votaram não; pelo PL e Republicanos, União, 1 de cada, votou contra;

Chega a ser enojante a desfaçatez dos que se travestem de representantes de trabalhadores “indefesos” perante seus sindicatos, por eles tachados, como autoritários e insensíveis à vontade e à liberdade, como se constata por essas inflamadas declarações:

“Chega de filas quilométricas, e sim à renúncia on-line. É dignidade para o trabalhador brasileiro”- Rodrigo Valadares, autor da emenda.

“Em 2025, ter de ir a um sindicato em horário de trabalho preencher uma folha e ser humilhado para dizer que não quer que o dinheiro seja descontado, esse tempo precisa terminar”-Maurício Marcon, Podemos-RS.

“Por que tem de ir para a fila de um sindicato e não pode fazer isso de forma eletrônica”- Zucco, PL-RS.

A justificativa da comentada emenda é prova cabal de total desconhecimento da natureza e da diversidade das contribuições autorizadas aos sindicatos e dos meios e modos de as cobrar.

O Art. 579 da CLT trata tão somente da contribuição sindical em sentido estrito, correspondente a 1 (um) dia de trabalho por ano, incidente sobre o salário de março. Essa contribuição foi convertida em facultativa pela Lei N. 13467/2017; desde então, somente pode ser descontada do trabalhador que previa e formalmente a autorizar. Como, aliás, acha-se solenemente expresso no citado Art. 579 da CLT.

Portanto, falar em cancelamento dela, como o faz a discutida emenda, soa como desprovido de sentido, mostrando-se completamente alheio ao que exige a lei; senão, veja-se: “Art. 579- O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato….”.

O Art. 513, ‘e’, da CLT, assegura aos sindicatos o direito de “ impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas”. Essa contribuição foi cunhada como assistencial pelo STF, no Tema 935; podendo ser cobrada de não filiados, se assegurado o injusto e indecente direito de oposição.

Injusto e indecente, porque quem se opõe ao desconto dessa contribuição, sem a qual não há a mínima condição de os sindicatos negociarem convenções coletivas de trabalho- assegurando, dentre outros direitos, reajuste salarial, que só é possível se for previsto nesses instrumentos normativos-, goza dos direitos convencionais, em igualdade de condições com aqueles que contribuem. Tal disparate não existe em nenhum outro país do mundo.

Vale ressaltar que não há registro público de que algum “valente” trabalhador, que se oponha ao desconto da contribuição assistencial, tenha, num rasgo de honestidade, aberto mão de usufruir das conquistas asseguradas na CCT, que autoriza a cobrança dessa contribuição. Para tais opositores, venha a nós- a eles- tudo e sempre; ao vosso reino- finanças sindicais-, nada e nunca. A isso, os 318 deputados que disseram sim a emenda em questão chamam de liberdade sindical. Quanta miséria de caráter e de propósito.

As “filas quilométricas”, a que alude o deputado Rodrigo Valadares, autor dessa nefasta emenda, efetivamente, só se verificam contra o desconto da contribuição assistencial, que não guarda nenhuma sintonia com o Art. 579 da CLT, que, repita-se, trata apenas da contribuição sindical em sentido estrito, pejorativamente chamado de imposto sindical.

Analisando-se as alterações ao Art. 579 da CLT, repise-se, aprovado por 318 a 116 votos, é forçoso concluir que a pretensão do autor e dos 317 deputados que acompanharam é uma só: inviabilizar financeiramente os sindicatos laborais; mandando às favas a técnica e a coerência das normas e a conectividade entre elas. Pouco se lhes importa se o texto aprovado patenteia antinomia (contradição), desde que tenha potencial para produzir os efeitos desejados: a falência financeira dos sindicatos.

É preciso dizer, ainda, que a realçada justificativa à emenda sob comentários, além de derramar contradições e incoerência, soa como sonoro deboche dos trabalhadores e dos sindicatos.

Ei-la:

“JUSTIFICATIVA Esta Emenda de Plenário tem por objetivo simplificar e modernizar o processo de cancelamento da cobrança da contribuição sindical, facilitando o exercício desse direito pelos trabalhadores. A digitalização dos processos administrativos tem se mostrado uma solução eficaz para reduzir a burocracia e aumentar a eficiência das relações entre o cidadão e as instituições.

Desde a Reforma Trabalhista de 2017, o pagamento da contribuição sindical passou a ser facultativo, dependendo de autorização expressa do trabalhador. Contudo, o processo para cancelar essa autorização ainda apresenta dificuldades, especialmente para trabalhadores que enfrentam barreiras logísticas ou administrativas.

A implementação de um sistema digital permitirá maior acessibilidade, proteção de dados e segurança jurídica, além de promover a agilidade necessária para garantir o cumprimento da legislação.

Por fim, a proposta visa adaptar a administração sindical às novas tecnologias, facilitando a comunicação com os trabalhadores e permitindo um controle mais eficiente e transparente dos pedidos de cancelamento da contribuição, e evitando que os trabalhadores tenham que ficar em filas em sindicatos para realizar o cancelamento da cobrança.

Sala das Sessões, 11 de fevereiro de 2025. RODRIGO VALADARES DEPUTADO FEDERAL – UNIÃO/SE”.

Diante de mais esse atentado contra a liberdade sindical, com o único mau propósito de estrangular os sindicatos laborais, restam três caminhos sucessivos: mobilização intensa para inviabilizar sua aprovação pelo senado, para onde já foi; cobrar do presidente Lula que o vete, se não for barrado no senado; e recorrer ao STF- quase suicídio-, se o presidente o vetar, visando a declará-lo inconstitucional.

Essas são as mais recentes pedras no meio do caminho sindical, parafraseando o poeta Carlos Drumond de Andrade.

José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee e do Sinpro Campinas e Região

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