
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (17) o requerimento de urgência para o Projeto de Lei 2162/23, que concede anistia aos envolvidos em atos antidemocráticos a partir de outubro de 2022. Foram 311 votos favoráveis, 163 contrários e 7 abstenções. Com a decisão, a proposta poderá ser votada diretamente no plenário, sem passar pelas comissões da Casa.
O texto original, de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), prevê perdão a todos que participaram de manifestações de motivação política ou eleitoral desde o segundo turno da eleição presidencial de 2022 até a entrada em vigor da lei. Também seriam beneficiados apoiadores que deram suporte financeiro, logístico ou digital.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que nomeará um relator nesta quinta-feira (18). O escolhido deve ser o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que, segundo líderes do Centrão, pretende elaborar uma versão menos ampla, com redução de penas em vez de perdão total.
Pressão após condenação de Bolsonaro
A votação foi marcada por meses de pressão da oposição, que intensificou a ofensiva após o STF condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado.
Desde fevereiro, quando assumiu a presidência da Casa, Motta vinha sendo cobrado por aliados de Bolsonaro a colocar o tema em pauta. O desgaste travou a análise de projetos considerados prioritários, como a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, que continua parada no Congresso.
Debate em plenário: cultura de golpes no Brasil
O último discurso antes do encerramento da votação foi feito pelo deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE), líder do Partido Comunista do Brasil. Em tom enfático, ele afirmou que a aprovação da proposta significaria “um crime contra a democracia” e reforçou que o Brasil precisa romper com a tradição de perdoar golpistas.
“Historiadores levantam que o Brasil já teve 14 tentativas de golpe militar. Quando deram certo, fecharam o Congresso, o Supremo, amordaçaram a imprensa, perseguiram, prenderam, torturaram e mataram. Quando deram errado, o país se apressou em conceder anistia. Isso criou a triste cultura do golpe no Brasil. O que precisamos é romper com ela”, declarou.
“Golpe ainda em curso”
Calheiros argumentou que não se trata de um episódio superado, mas de um processo em andamento. Para ele, a pressão internacional contra o Brasil, somada às tentativas de intimidação do Supremo Tribunal Federal, são parte de uma estratégia golpista ainda ativa.
“Não se pacifica o país concedendo anistia enquanto o golpe está em curso. É um golpe por outros caminhos, de pressão internacional, de ameaçar o Brasil e o Supremo. Conceder anistia agora é projetar politicamente os anistiados para tentarem novamente o golpe até conseguirem.
O líder do PCdoB disse que o Congresso tem uma “responsabilidade histórica” de não repetir erros do passado e enfatizou que as manifestações em frente aos quartéis, após a vitória de Lula em 2022, não foram simples protestos, mas parte integrante de uma tentativa de golpe militar.
“Depois dos depoimentos à Polícia Federal e ao Supremo, ficou ainda mais claro que aquelas pessoas pressionavam as Forças Armadas, em especial o Exército, para aderir ao golpe. Nossa responsabilidade é enfrentar essa necessidade histórica de pôr fim à cultura do golpe no Brasil.”
O pronunciamento encerrou uma sessão marcada por embates intensos entre governistas e oposição. Enquanto bolsonaristas defendem a anistia como gesto de “pacificação nacional”, parlamentares da esquerda insistem que perdoar golpistas significaria abrir caminho para novas rupturas institucionais.
O líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), classificou a votação como uma “traição à democracia”. “Hoje é um dia de vergonha do Parlamento. Os deputados que votaram pela urgência estão sendo cúmplices de um golpe continuado”, disse.
A líder do Psol, Talíria Petrone (RJ), afirmou que a anistia lembra a lei de 1979, no fim da ditadura militar, que, segundo ela, “alimentou a ideia de novos golpes”.
Já o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), criticou o encaminhamento da proposta. “Estamos apreciando um projeto de lei que trata de anistia para aqueles que atentaram contra a democracia. Isso é lamentável.”
Na oposição, o discurso foi de vitória. O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) declarou que “depois de dois anos de luta e sofrimento”, o tema enfim chegou ao plenário. O líder do Novo, Marcel van Hattem (RS), defendeu a medida como um gesto de “pacificação nacional” e de “correção de injustiças”.
Divergências no Congresso
No Senado, a resistência é maior. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), já disse a aliados que não pautará uma anistia ampla que inclua Bolsonaro, mas trabalha em um texto para reduzir penas dos condenados pelos atos de 8 de janeiro.
O presidente Lula, por sua vez, sinalizou que não se opõe a uma proposta de modulação de penas, lembrando sua própria experiência de 580 dias de prisão.
Próximos passos
Com a urgência aprovada, cabe agora ao relator elaborar um substitutivo capaz de reunir apoio da maioria. A data da votação final ainda não foi marcada, mas líderes do Centrão pressionam Motta a resolver o impasse antes do início oficial da campanha eleitoral de 2026.
“Não se trata de apagar o passado, mas de permitir que o presente seja reconciliado e o futuro construído em bases de diálogo e respeito”, afirmou Motta, ao defender a urgência.
Enquanto isso, o clima no Congresso segue polarizado: de um lado, governistas que denunciam impunidade; de outro, opositores que tratam a anistia como condição para encerrar a crise aberta pelos atos golpistas.
Do portal Vermelho / Foto: Reprodução