O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou nesta terça-feira (26) o sigilo e divulgou o relatório no qual a Polícia Federal (PF) indicia sete generais pela Polícia Federal (PF) por envolvimento em um plano para desestabilizar o governo democraticamente eleito. O indiciamento, por si só, pode estabelecer um marco histórico no Brasil. Trata-se da primeira vez que militares de alta patente enfrentam acusações formais por tentativa de golpe de Estado, incluindo a elaboração de um esquema que previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

A investigação também expõe o envolvimento de um grupo de elite das Forças Armadas, conhecido como kids pretos, vinculado ao Comando de Operações Especiais de Goiânia. Quatro de seus membros foram presos pela Polícia Federal, mas Braga Netto, apontado como mentor, ainda não enfrenta detenção.

O indiciamento de generais pode representar um ponto de inflexão na história das Forças Armadas brasileiras. Desde a proclamação da República, os militares exercem influência política, muitas vezes em oposição às instituições democráticas. Até hoje, nenhum militar de alta patente foi punido por tentar subverter a ordem democrática.

No entanto, a investigação revelou um modus operandi detalhado e inédito, demonstrando que as ações não foram apenas simulações supostas, mas sim uma operação tática planejada. Muito se fala que este pode ser o momento em que o Brasil tem a oportunidade de estabelecer limites claros para a atuação política dos militares.

Plano “Punhal verde e amarelo” e suas implicações

O plano, batizado de “Punhal verde e amarelo”, teria sido elaborado por militares próximos ao ex-presidente Jair Bolsonaro e implicava em ações coordenadas para a ruptura institucional. Entre os acusados estão os generais Walter Braga Netto e Augusto Heleno, ex-ministros do governo Bolsonaro, e o general Mário Fernandes, apontado como mentor intelectual da operação. Documentos encontrados pela investigação indicam que o plano foi impresso duas vezes no Palácio do Planalto, nos dias 9 de novembro e 6 de dezembro de 2022, em momentos em que os acusados se encontravam em reuniões no local.

O inquérito revela também a movimentação estratégica dos militares. Dados de localização de celulares mostram reuniões e articulações entre os envolvidos, com provas como áudios e registros de presença em locais estratégicos, incluindo a casa do general Braga Netto.

Outro elemento revelado pela investigação foi a conexão entre o alto comando militar e manifestantes acampados na frente de quartéis após as eleições de 2022. Mensagens e registros mostram que o general Fernandes manteve contato direto com os acampamentos, reforçando a narrativa pública de insatisfação com o resultado eleitoral como base para o golpe.

Crimes e penas

Os indiciados são acusados de tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito (pena de 4 a 8 anos), tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos) e organização criminosa (3 a 8 anos), com penas que podem somar até 28 anos de prisão.

Caso os militares sejam denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o processo será julgado pelo STF. A Corte será responsável pelo julgamento, dado que foi uma das vítimas diretas do plano golpista. Há uma abundância de provas que dificilmente deixarão de levar a condenações.

Reações e significados históricos

A defesa dos indiciados tem criticado a divulgação do inquérito. Advogados de Braga Netto afirmaram que aguardam acesso oficial aos autos para tomar uma posição formal. Já o ex-presidente Bolsonaro minimizou as acusações, afirmando que as ações não passaram de “opiniões”.

O relatório da PF foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, que já o enviou à PGR para análise. Com o envio do relatório, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, vai decidir se o ex-presidente e os demais acusados serão denunciados ao Supremo pelos crimes imputados pelos investigadores da PF. A expectativa agora recai sobre o posicionamento do órgão. Caso avancem, o Brasil poderá assistir a um julgamento sem precedentes, com impactos profundos na relação entre as instituições democráticas e as Forças Armadas.

O Brasil tem um histórico de impunidade para militares envolvidos em crimes contra o Estado Democrático de Direito. Desde o decreto de Anistia de 1979, que beneficiou torturadores e golpistas da ditadura, nenhuma ação significativa foi tomada para responsabilizar os envolvidos em atentados, golpes e crimes de lesa-pátria. O caso Riocentro, em que uma bomba explodiu pelas mãos de militares em 1981, permanece emblemático dessa negligência institucional e das conspirações patéticas que continuam se repetindo.

Mais de 50 mil brasileiros foram vítimas diretas dos criminosos fardados que cometeram crimes contra a humanidade: rasgaram a Constituição de 1946, depuseram pela força o presidente da República João Goulart, cassaram mandatos de parlamentares eleitos, prenderam ao arrepio da lei, baniram, demitiram, sequestraram, torturaram, estupraram, mataram, ocultaram os corpos de centenas de brasileiros e continuam mentindo e impunes apesar de muitos indícios e incontáveis e irrefutáveis provas testemunhais e documentais.

Reforma das Forças Armadas

Especialistas em defesa e ciência política defendem que os recentes acontecimentos demandam uma reforma estrutural nas Forças Armadas. Entre as medidas sugeridas, destacam-se:

Proibição constitucional da atuação política de militares sem afastamento da carreira.
Substituição das Forças Especiais por uma força vinculada ao Ministério da Justiça e comandada por civis.
Extinção de comandos militares associados a conspirações antidemocráticas, como o kids pretos.
O governo Lula encontra-se em posição de implementar mudanças significativas, com apoio dos Três Poderes. Essa reforma não só reforçaria a subordinação das Forças Armadas ao poder civil, como também consolidaria os princípios democráticos de 1988.

Sobre a tramitação do relatório da PF, devido ao recesso de fim de ano na Corte, que começa no dia 19 de dezembro e termina em 1° de fevereiro de 2025, a expectativa é a de que o julgamento da eventual denúncia da procuradoria ocorra somente no ano que vem.

O caso poderá ser julgado pela Primeira Turma do Supremo, colegiado composto pelo relator, Alexandre de Moraes, e os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Pelo regimento interno do STF, cabe as duas turmas do tribunal julgar ações penais. Como o relator faz parte da Primeira Turma, a eventual denúncia será julgada pelo colegiado. A Segunda Turma é composta pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Edson Fachin, além de André Mendonça e Nunes Marques, ambos indicados ao STF pelo ex-presidente Bolsonaro.

A conciliação não é mais uma opção

A postura conciliatória que marcou o governo Lula enfrenta agora um inimigo declarado: o golpismo armado. Enquanto a tentativa de golpe revela as fissuras ideológicas nas Forças Armadas, a reação da sociedade e das instituições será crucial para determinar o futuro da democracia brasileira.

A Nova República, construída sobre um pacto entre antigos adversários políticos, enfrenta seu maior teste. A consolidação da democracia passa, necessariamente, pela responsabilização dos envolvidos e pela ruptura definitiva com a tradição de impunidade que beneficia golpistas e ameaça a estabilidade republicana.

O momento é decisivo. A resposta do Estado brasileiro ao mais recente ataque à democracia determinará se o país continuará refém de um passado autoritário ou se avançará na construção de um futuro verdadeiramente democrático.

Cezar Xavier, para o Vermelho

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