Entre os mais diversos e variados setores da sociedade brasileira é consenso absoluto que a educação foi um dos principais alvos dos ataques do golpe de Estado sofrido pelo país em 2015/2016. A onda conservadora e ultraliberal, no horizonte cultural, religioso e econômico, atingiu de forma drástica e dramática a estrutura educacional brasileira. Reconstruir a educação e enfrentar essas forças retrógradas e regidas pelo mercado nos é decisivo para o futuro de nossa nação como um todo.

Podemos enumerar alguns exemplos emblemáticos desse desmoronamento abissal, de forma a ilustrar o desmonte com as devidas profundidade, extensão e dimensão: reforma do ensino médio, Base Nacional Comum Curricular, boicote ao plano nacional de educação, ataque à formação de professores, à pesquisa científica e às universidades públicas e escolas técnicas federais, a expansão da escola cívico-militar, home schooling, lei da mordaça, escola sem partido, retrocesso na inclusão de pessoas com deficiência, privatização das escolas públicas, redução incisiva e progressiva de investimentos, entre outros.

Na avaliação de expressiva representação social da educação brasileira, esse conjunto de retrocessos demanda ampla e urgente revogação ou, de forma  pontual em poucos casos, mudanças estruturais para o bem da educação nacional. Os movimentos populares e sindicais, os intelectuais, a academia, os docentes e os discentes estão conscientes das necessidades de mudanças para darmos início a uma profunda e efetiva reconstrução da educação nacional.

Um dos temas educacionais mais debatidos nos últimos dias é o chamado Novo Ensino Médio (NEM). No período pré-golpe, ocorria um grande debate na sociedade brasileira, bem como no parlamento, sobre o tema do ensino médio, o qual propunha um conjunto de alterações na estrutura dessa importante etapa escolar, como acesso, permanência, formação, evitar a fragmentação curricular, envolver os jovens na construção, modelo a ser seguido, além de outras questões. Naquele momento, caminhava-se para uma proposta construída por diversas mãos e cabeças com o objetivo de trazer luz e caminho a essa significativa fase formativa.

Com a instalação do golpe de Estado contra a presidenta Dilma, o governo golpista de Temer e o seu ministro Mendonça Filho, proprietário de escolas privadas, enviou, de modo sumário, para o Congresso Nacional uma proposta de reformulação ampla e profunda do ensino médio, por via de uma medida provisória. A proposta encaminhada e aprovada pelo governo não levou em consideração nenhuma das reflexões pensadas e debatidas pelo movimento educacional e pela sociedade desde o ano de 2012. Portanto, o Novo Ensino Médio resulta de uma proposta educacional encabeçada pelos empresários e mercenários da educação nacional: fundações privadas, organizações sociais, carteis do ensino privado, movimentos de privatização da educação pública brasileira, entre outros representantes desses interesses.

Desde a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da transição e da instalação do novo governo e do Ministério da Educação, tivemos a oportunidade democrática de expressar a nossa posição pela revogação imediata do Novo Ensino Médio por parte do atual governo federal. Essa pressão, seguida de uma possível decisão, demarcará uma nova fase para a educação brasileira. Nesse sentido, o presidente Lula deve dar uma sinalização clara, firme e altiva para toda a sociedade.

O ministro Camilo Santana e outras lideranças do Ministério da Educação entendem que a revogação do ensino médio imediatamente, conforme defendemos, poderia causar dois abalos em princípios inegociáveis na atual pasta, tanto o democrático quanto o das evidências científicas. Da minha parte, considero tais princípios evidentemente nobres, porém, nulos dadas a realidade objetiva e as circunstâncias históricas que vivenciamos nesse último período.

No que se refere ao aspecto democrático, o ministro Santana afirma que não se pode empreender as mudanças da mesma maneira que os golpistas, os quais tanto combatemos. Explica que não se pode revogar o ensino médio e simplesmente apresentar uma nova proposta de lei, senão, segundo ele, estaríamos agindo como os nossos algozes. Ou seja, conforme o Ministro, agindo de cima pra baixo, sem debate, base ética, moral, sem a participação social e dos setores educacionais, assim estaríamos reproduzindo o mesmo modus operandi dos golpistas.

Faz-se importante reiterar que o Novo Ensino Médio foi aprovado no Congresso Nacional na esteira do golpe de Estado de 2015/2016, sem nenhum debate e ainda refutando uma proposta construída e discutida ao longo de cinco anos pela sociedade educacional brasileira. Também sublinhamos que a vitória do presidente Lula em 2022 consagrou nas urnas a derrocada dos golpistas e a subsequente necessidade de se reconstruir o país e a educação em  novos patamares. Igualmente lembramos que a sociedade debatia e construía, no período anterior ao golpe, uma proposta integral para o Ensino Médio, a qual envolveu amplos setores da educação, portanto, dispondo de legitimidade social e política. Ressaltamos ainda que a medida provisória do Novo Ensino Médio do governo Temer foi aprovada e imposta a sociedade brasileira sem nenhum debate e a devida e esperada participação popular. Desse modo, tudo isso representa um ataque desproporcional e sem legitimidade democrática contra a educação e o país. Resgatar a proposta pré-golpe e leva-la a debate público é o mínimo que o universo educacional exige.

A segunda questão levantada pelo ministro da Educação e os seus auxiliares do MEC diz respeito ao princípio das evidências cientificas. Conforme o ministro, seria negacionismo revogar o Novo Ensino Médio sem que tivéssemos um conjunto de evidências científicas que demonstrassem as virtudes, os desacertos, os problemas, as correções de rumo, entre outros argumentos. Conforme a sua lógica, não poderíamos, então, ser negacionistas, agindo como os bolsonaristas, sem avaliar as evidências cientificas.

Em discordância, registramos que a reforma imposta e implementada nos últimos anos no Brasil foi amplamente questionada e rejeitada pela educação, governo e sociedade estadunidense, país de origem conceitual desse Novo Ensino Médio, modelo pedagógico adotado há cerca de vinte anos naquele país, com os mesmos conceitos e princípios introduzidos na reforma de Temer. Nos próprios EUA, foi abandonada a sua execução,  lá estão construindo outro modelo de ensino médio a partir desses escombros.

Se as evidências nos Estados Unidas já se apresentam decisivas, aqui no Brasil, mesmo em fase inicial de implementação, já dispomos de provas claras e concretas dos retrocessos em curso e de um desastre maior que se avizinha.

Uma determinada questão capital esteve e está no cerne deste debate: o modelo educacional para aportar qualidade e efetividade para essa fase de escolarização. Nesse campo, destaco: acesso, permanência, concentração curricular, formação profissional, estímulo dos jovens para formação integral, potencialização do trabalho docente, valorização da formação dos jovens de periferia e das camadas sociais mais pobres da sociedade.

Contudo, os primeiros passos dados pelo Novo Ensino Médio confronta tanto o percurso democrático e dialógico por parte dos históricos setores da educação brasileira quanto os objetivos traçados para enfrentar os reais problemas estruturais diagnosticados ao longo do tempo.

GILSON REIS, Coordenador-geral da Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação (Contee)

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