A Contee enviou, nesta terça-feira (3), mais um ofício para tratar da questão da contribuição assistencial. Dessa vez o destinatário foi o ministro Luís Roberto Barroso, recém-empossado como novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
No documento, a Confederação cumprimenta-o tanto pelo cargo quanto pelo voto-vista que levou à mudança de entendimento do STF, que culminou no reconhecimento da constitucionalidade da contribuição assistencial, prevista há 80 anos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A Contee, porém, chama o ministro à reflexão e à responsabilidade a respeito da manutenção do direito de oposição à cobrança da taxa, o que fere o princípio da isonomia entre sindicalizados e não sindicalizados.
“Ao nosso sentir e entender, o direito de ‘pular fora’, isto é, de se negar a contribuir para o sindicato a pretexto de preservar-lhe a liberdade de filiação, ao fim e ao cabo, significa salvo conduto ao/à trabalhador/a não sindicalizado/a para usufruir das garantias convencionais, sem a obrigação de contribuir para sua conquista”, argumenta a Confederação, no ofício assinado pelo coordenador-geral, Gilson Reis.. “Com o devido respeito a quem sustenta o contrário, não há paradigma para a aprovação e sustentação dessa tese, pois que, no direito comparado, não há registro de nenhum.”
Para a Confederação, “em que pese a relevância social e jurídica da nova tese, com repercussão geral, se for levado a cabo o desiderato do ‘pular fora’, ainda mais com oposição à empresa, que, indiscutivelmente, será sua artífice, o completo esvaziamento financeiro dos sindicatos perdurará, com peso quase igual ao que sobre eles recaiu a partir do advento da Lei 13.467”.
Portanto, “há imperiosa e emergente necessidade, do mesmo modo que se fez quanto à contribuição assistencial, de se fazer inflexão na Súmula Vinculante 40, resgatando-se a vontade do legislador constituinte, como se se colhe dos anais da inapagável Assembleia Constituinte, de se garantir o custeio das atividades sindicais de todas quantas compõem o sistema confederativo brasileiro, por todos os integrantes de suas respectivas categorias, para que, insista-se, não haja direitos sem deveres nem deveres sem direitos”.
Leia o ofício completo:
Brasília, 03 de outubro de 2023.
Ofício n.° 348/2023/CONTEE
À Sua Excelência o Senhor
LUÍS ROBERTO BARROSO
Presidente do STF
Ref.: Custeio do sistema confederativo da representação sindical
Senhor presidente,
com nossos respeitosos cumprimentos, em nome Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee, entidade sindical de grau superior que congrega 85 sindicatos e 10 federações de profissionais da educação escolar (professores/as e administrativos/as), conforme Art. 206 da Constituição Federal (CF), representando, atualmente, cerca de 1 milhão dos que se ativam no ensino privado, da educação infantil ao ensino superior, de todas as regiões do país, congratulamos-nos com sua, para além de regimental, legítima e merecida assunção ao cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem, por força do Art. 102, da Constituição Federal (CF), cabe precipuamente a condição de seu guardião.
2 Temos a firme convicção de que V. Exª, com sua serenidade, judiciosidade, conhecimento jurídico e político e inabalável compromisso com o Estado Democrático de Direito, aplicados com sua indefectível fidalguia, saberá dosar o exercício da presidência, como o faz o marinheiro, que, durante o nevoeiro, leva o barco devagar, na magistral lição de Paulinho da Viola, em sua música Argumento.
3 Feitos os devidos cumprimentos e sinceros votos de gestão exitosa, que será mola mestra para mais bem cimentar a ordem democrática — que vira e mexe, é alvo de aleivosos ataques de quem não tem apreço pelo que ela representa —, na indelével marcha da sociedade brasileira ao encontro com o presente e o futuro radiosos. Queremos, de plano, nos apresentar como candidatos a interlocutores institucionais, para além dos autos judiciais, para a consecução dos três eixos de seu programa presidencial, anunciados em sua posse. No caso concreto, trata-se do terceiro deles: o relacionamento, que dentre outros interlocutores, inclui as entidades sindicais, como é o caso da Contee.
4 Como primeiro passo, para nos habilitarmos ao referido credenciamento, pedimos-lhe licença para lhe apresentar reflexões e ponderações sobre o custeio do sistema confederativo da representação sindical. Tema que, recorrentemente, compõe a pauta do Excelso STF, como faz prova o recente julgamento dos embargos de declaração opostos ao acórdão de mérito do processo ARE 1018459, concluído aos 11 de setembro próximo passado, pelo plenário virtual.
5 É consabido que a nova tese fixada pelo STF, sobre a contribuição assistencial de que trata o Art. 513, ‘e’ da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) há nada menos do que 90 anos, posto que integra a redação originária do Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, tornou-se alvo principal da flecha ideológica daqueles que querem, a todo e qualquer custo, enfraquecer as organizações sindicais laborais, haja vista só elas possuírem o condão de dar o mínimo de equilíbrio às relações de trabalho, marcadas pela assimetria, no âmbito individual, como judiciosamente anotado por V. Exª, no voto proferido no processo RE 590415, acolhidos por outros nove ministros., como se colhe dos excertos do Acórdão, abaixo transcritos:
“[…] 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida”.
6 A tese, com repercussão geral, fixada no ARE 1018459-ED, a partir do voto-vista de V. Exª, prontamente acolhido pelo relator e por mais oito ministros — “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição” —, despertou providencial e proposital entendimento distorcido sobre sua natureza, finalidade e alcance por aqueles que parecem estar em plantão diuturno, em busca de pretextos para atacar e assacar contra as organizações sindicais laborais, pelos nada republicanos motivos já realçados.
7 Não obstante os esclarecimentos prestados por V. Exª e pelo ministro relator Gilmar Mendes, os convenientes desentendidos, que incluem e agasalham considerável parcela de parlamentares, não baixaram armas. Ao contrário, azeitaram seus aríetes contra a inflexão jurisprudencial assentada na nova redação da Tese 935, sob discussão.
8 Com sua já mencionada fidalguia e refinada ironia, V. Exª, na entrevista coletiva concedida ao dia 29 de setembro último, a primeira como presidente da Excelsa Corte, lecionou a tais desentendidos e aos que, sinceramente, ainda não compreenderam o significado da tese sob discussão, fazendo-o como, salutarmente, sói acontecer em seus pronunciamentos fora dos autos:
“Não é compulsório. É negociado, previsto em acordo coletivo e se o empregado não quiser, ele pode simplesmente ser tirado fora. Ele pode dizer: ‘Eu não quero contribuir’. E aí ele comunica a empresa para não deixar descontar aquele dia de trabalho, que é o que geralmente se adota, da folha dele. Portanto, não tem nada de compulsório. Depende de acordo e pode pular fora. Pode, mas não deve, porque se beneficiou. Vale para sindicalizados e não sindicalizados. O acordo beneficia todo mundo. Agora, se o beneficiário ingratamente não quiser pagar, ele pode dizer que não pode”.
9 Na metáfora “pular fora” e nas consequências que dele advêm reside o ponto nodal de nossas ponderações. A nosso juízo, Senhor Presidente, o “pular fora”, ou seja, negar-se a contribuir, apesar de usufruir dos benefícios auferidos com os instrumentos normativos coletivos, convenção e/ou acordo, significa muito mais que ingratidão. Significa quebra do universal e multimilenar princípio da isonomia. Significa enriquecimento sem causa, repudiado pelo Art. 884 do Código Civil (CC). O que, aliás, é registrado no percuciente voto de V. Exª, repita-se, que conduziu à mudança da tese do tema 935:
“18. Com o entendimento de que não se pode cobrar a contribuição assistencial dos trabalhadores não sindicalizados cria-se, então, a figura do ‘carona’: aquele que obtém a vantagem, mas não paga por ela. Nesse modelo, não há incentivos para o trabalhador se filiar ao sindicato. Não há razão para que ele, voluntariamente, pague por algo que não é obrigatório, ainda que obtenha vantagens do sistema. Todo o custeio fica a cargo de quem é filiado. Trata-se de uma desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria. 19. Some-se a isso o fato de que a contribuição assistencial se destina a custear justamente a atividade negocial do sindicato. Há uma contraprestação específica relacionada à sua cobrança. Por esse motivo, é denominada, também, de contribuição de fortalecimento sindical ou cota de solidariedade. Nesse cenário, a contribuição assistencial é um mecanismo essencial para o financiamento da atuação do sindicato em negociações coletivas. Permitir que o empregado aproveite o resultado da negociação, mas não pague por ela, gera uma espécie de enriquecimento ilícito de sua parte”.
10 O “pular fora”, seja voluntário ou induzido — melhor seria dizer exigido — pelas empresas, que é quase regra, nada mais faz do que dar azo à metáfora de Adimanto, extraída de “A República”, de Platão, segundo a qual: “o justo é o fraco, porque se fosse forte e capaz ele cometeria injustiças e o que importa não é ser justo, mas parecer ser justo. Para esse interlocutor, o caminho da justiça é oneroso, já o caminho da injustiça é fácil” (PLATÃO et al., 380 a.C). Eis que temos devidamente pavimentado o caminho da injustiça, travestido de justo.
11 Ao nosso sentir e entender, o direito de “pular fora”, isto é, de se negar a contribuir para o sindicato a pretexto de preservar-lhe a liberdade de filiação, ao fim e ao cabo, significa salvo conduto ao/à trabalhador/a não sindicalizado/a para usufruir das garantias convencionais, sem a obrigação de contribuir para sua conquista.
12 Com o devido respeito a quem sustenta o contrário, não há paradigma para a aprovação e sustentação dessa tese, pois que, no direito comparado, não há registro de nenhum.
13 Somos sabedores de que a CF de 1988 erigiu a organização sindical à condição de direito social fundamental (Art. 8º), fazendo-o em perfeita sintonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu Art. 23; com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos e Sociais, em seu Art. 8º; com a Convenção 98 da OIT, do Art. 1º ao 6º; e com a Convenção 154 da OIT, do Art. 5º ao 8º, todos ratificados pelo Brasil.
14 O Art. 8º, III, da CF, estabelece as atribuições sindicais inarredáveis e improrrogáveis, assentando:
“III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.
15 Como se colhe da literalidade do disposto no inciso III do Art. 8º da CF, os sindicatos representam todos os integrantes da categoria, sejam eles sindicalizados ou não, o que, a juízo da Contee, das federações e dos sindicatos a elas filiados, caracteriza-se justo, adequado e insuscetível de questionamentos de quaisquer naturezas.
16 Faz-se necessário, desde logo, patentear que esse regime de organização sindical, arrimado na unicidade sindical e na representação coletiva por categoria, independentemente de filiação, difere diametralmente daquele adotado nos países que adotam a pluralidade sindical, emanada ou não da Convenção 87 da OIT, que se funda na representação individual de quem opta por escolher este ou aquele sindicato para agasalhar seus direitos e interesses.
17 Enquanto no regime de unicidade sindical, que engloba a representação coletiva por categoria, as garantias insertas em convenções e acordos coletivos alcançam sindicalizados e não sindicalizados — o que, repita-se, é justo e adequado aos olhos da Contee e das entidades que congrega como filiadas —, no regime de pluralidade sindical, de representação individual, tais garantias limitam-se aos sindicalizados aos sindicatos que negociam instrumentos normativos coletivos: convenções e acordos coletivos.
18 Claro está, portanto, que, no regime de pluralidade sindical, quem quiser usufruir das conquistas sindicais tem de pagar (contribuir) para que isso lhe seja possível, não havendo possibilidade de as postular, seja de forma administrativa ou judicial, sem expressa adesão. Ou seja, sem contribuir para o sindicato signatário dos instrumentos normativos que as contêm. Assim é porque, no Estado Democrático de Direito, não há direito sem dever nem dever sem direito, como, aliás, estipula o Art. 5º, caput, da CF.
19 Ao nosso sentir, em que pese a relevância social e jurídica da nova tese, com repercussão geral, se for levado a cabo o desiderato do “pular fora”, ainda mais com oposição à empresa, que, indiscutivelmente, será sua artífice, o completo esvaziamento financeiro dos sindicatos perdurará, com peso quase igual ao que sobre eles recaiu a partir do advento da Lei 13.467. Não obstante os sindicatos, nas sábias e judiciosas palavras do Papa Francisco, serem a voz de quem não tem voz.
20 Ante essas boas razões, Senhor Presidente, estamos convictos de que, para se manter o direito de oposição à contribuição assistencial, que, sabemos, será regra, por ingratidão de milhares de trabalhadores e exigências da esmagadora maioria das empresas, há imperiosa necessidade de essa Excelsa Corte revisitar o Art. 8º, IV, da CF, que teve alcance drasticamente reduzido pela Súmula 666 — que, para as entidades sindicais, acabou por, tal como na Bíblia, representar a besta do apocalipse —, convertida em Súmula Vinculante 40, que só a reconhece como exigível dos sindicalizados.
21 Para além dessa boa razão, há outra de igual valor, que diz respeito ao financiamento das entidades de grau superior, federações, confederações e centrais —incluídas pela Lei 11.648/2008. Assim sendo porque, com a edição da Súmula Vinculante 40 e com a conversão da contribuição sindical, prevista nos Arts. 578 e seguintes da CLT, essas entidades passaram a ter como única fonte de financiamento de seus custeios as mensalidades cobradas de suas filiadas, que, por igual golpe, não conseguem sequer custear suas próprias atividades.
22 É bem de ver-se que a nova tese fixada no Tema 935, não traz nenhum alento para as entidades de grau superior, pois que, para além de sua limitação ao direito individual de oposição, não faz referência alguma ao custeio do sistema confederativo. O que, juridicamente, não comporta qualquer questionamento, ao nosso sentir.
23 Destarte, para que não se sedimente a morte das entidades sindicais de grau superior, ao nosso olhar, há imperiosa e emergente necessidade, do mesmo modo que se fez quanto à contribuição assistencial, de se fazer inflexão na Súmula Vinculante 40, resgatando-se a vontade do legislador constituinte, como se se colhe dos anais da inapagável Assembleia Constituinte, de se garantir o custeio das atividades sindicais de todas quantas compõem o sistema confederativo brasileiro, por todos os integrantes de suas respectivas categorias, para que, insista-se, não haja direitos sem deveres nem deveres sem direitos.
Respeitosamente,
Gilson Luiz Reis
Coordenador-geral da Contee